domingo, 31 de dezembro de 2006

Tempo, só é preciso tempo, para cometer a
Traição acesa com um sopro de
Paixão, basta um
Momento que apaga a
Memória, deixando um rasto inalterável de
Rancor, por perder toda a
Glória, que se via tão pura no
Amor.

sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

Interno este desejo tão legítimo
Dos abraços em teus braços
Teus olhos ondeiam no meu íntimo
As verdades são o sussurro último
No derrube aos últimos passos.

Perto do fim, perto do fim
Ouvem-se vozes mal ouvidas
Sentem-se ferozes em mim
As tuas mãos arrefecidas

domingo, 24 de dezembro de 2006

Quero o estalar
Da madeira
E o paladar
De cada estrela
Inteira.

Quero esse manto
Negro que nos cobre
Num ondear triste e pobre;
Por enquanto!

O sol nasce,
E a lua faz-se
Cinza…
Porque não esperaste
Por entre a brisa?

domingo, 17 de dezembro de 2006

...todas as festas futuras!

As portas fecham-se e as janelas deixam-se smiabertas para entrar o ar e não corrermos o risco de sufocar dentro por falta do que é fora.


Brilho humano
Clara Certeza
Carne inteira percorrida pelo sangue

A tua voz era minha!

Quero de volta o meu olhar
Ou então tragam até mim a prova de que algo espera pelo vento trazido pela janela aberta.

***

Onde estou onde me encontro?
Quando me perderei onde não sou
Nem eu, nem nenhum outro,
Um eu melhor que alguém pensou?

Ainda acredito no que não vejo
Mas pouco tempo já me resta,
Já nascido lacrimejo
Ao ver que nascer não basta.

***

Ninguém pensa como eu,
Nem mesmo eu assim penso.
Mas encontro força e senso
Para saber que nasceu
No seio de mim algo mais
Que aquilo que se perdeu
Pelos ventos irreais.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

Défoncé

Posso prometer tudo de mim. Menos eu mesmo. E ainda menos as noites que em mim correm. E a lua nos teus olhos a mim próprio não volto a prometer, porque sei que o calor é um vício que se nos apega à pele, e eu não quero ser um junkie de ti, a gemer pelos cantos esperando a injecção do teu olhar toldando o meu, aturdindo a minha razão, depois desse flash perpétuo que me proporcionas.
Défoncé, caminho sozinho, procurando algo que se torne tu nas minhas mão molhadas pelo suor que se subleva na minha pele. Saem gritos que se estilhaçam no ar, procurando atingir ouvidos que decriptem a poção para a paixão violenta que se barricou em mim. Exagero dizem. Talvez. Isto são mentiras de pequenos segundos que me passam frente aos olhos quando tu não estás e eu insisto em te ver. Isto são palavras que eu digo a mim mesmo para me convencer que algo vale de facto a pena. Isto sou eu, sombra falsa de uma realidade necessária.

terça-feira, 5 de dezembro de 2006

Ontem

Vejo-te. Ignoro. Significado? Nenhum.

À tua espera, no mesmo café de sempre, na mesma mesa encostada à parede, naqueles bancos nada confortáveis, confortávelmente impaciente aguardo enquando fumo um cigarro pacientemente. Peço uma cerveja e bebo-a não menos pacientemente. Acendo mais um cigarro e lá apareces. Trazes um brilho nos olhos que não engana ninguém, ris-te e eu dou-te um beijo qualquer. Depois vem mais gente que fala connosco e até fica por ali, naquela mesa, a falar de coisas totalmente insignificantes porque o que importa ali somos nós. Eu estou feliz e sei que embora não saiba o que se vais passar a seguir, não pode ser mau.
E isso é metade da felicidade que trazia. Contudo sei que não sabia metade e que sentia o dobro, sim, ou mais, sentia tanto e pensava tão menos.
Continuamos a beber, algumas coisas vão rodando, nós sabemonos seguros, sempre no mesmo sítio, sempre no mesmo mundo, nada sabia mudar, nada acabava, tudo se prolongava ecoando pelos nossos olhares. Não havia fim para aquilo que éramos. Inocentes e às vezes ignorantes, mas isso era tão bom, sabiamos que os limites não existiam e nós nem punhamos isso em questão! Hoje sabemos que o limite começa logo na questão que pomos nas coisas. Não vou discutir isso sequer, porque sei que não volta e recordar vai sendo necessário e bom, apesar de toda a imagem vir desfocada e com a côr desbatida. Não importa porque está cá dentro. Isso sim tem valor.

domingo, 3 de dezembro de 2006

Nem mesmo a esperança

Lembro-me de como te olhava. De como costumava passar os dias esperando o encontro do meu olhar com o teu. Quem és tu afinal? Tanto tempo passou e, eu que sempre julguei ter a resposta, respiro no ar a incerteza de tudo - até da mim - e a vontade de conseguir voltar a, pelo menos, esperar o encontro do nosso olhar. Caiu tudo o que éramos. Já nem o prazer de te olhar tenho, nem mesmo a esperança... Nem mesmo a esperança.
Será que poderia dizer que te amei? Penso que não, nada fiz para o merecer, eu sei. E agora tenho pena não ter tentado amar-te, porque isso seria pelo menos qualquer coisa. ("Não vês como é bom dizer eu tentei?") Eu não vejo, estou cego, estou cego e dói-me de uma forma intensa com um sabor de saudade que ficou por nascer, que ficou por ser feita, uma saudade que simplesmente nunca teve lugar além do meu sentir. Sentir é fácilmente difícil. Acredito que tudo passe por um processo enorme antes de acontecer, e o melhor é que nem nós nos apercebemos quando acontece, a vontade depois o desejo, a dor depois o sofrimento, o calor depois o suor, a sensação depois a percepção, o prazer depois o orgasmo - tudo isso faz parte de nós. E eu sou só um triste com pensamentos desconexos que já nem lógicamente as frases articula.
Para dizer a verdade ainda penso que te espero. Ainda penso em ti. Acredito no Destino e é por nele acreditar que sei que só há uma forma de sabê-lo: vivendo.
Por isso eu passo os dias na mesma triste alegria de viver, acreditando que cada respirar é motivo suficiente de orgulho próprio e que cada pessoa é algo bom e única por si mesma. Mas também neste humanismo transcendente sei com o tacto que estas duas mãos me dão que o homem é um ser de nojo e de pecado e que o nosso rosto tem duas faces tão distintas que só quem conhece a luz que o ilumina pode, passivamente, aceitar e compreender. Sou humano também, terrivelmente humano. Ás vezes sou deus. Mas nenhuma destas condições me proporcionam tudo o que é em ti Mulher.

Sou vago
Sou disperso e errado
Desconcertantemente ilógico
Sou, na verdade, real.
Desço escadas para sair do que é mais alto
E encontro no fundo a vertigem de existir.

Ah, existir, esse prazer de sol e chuva e ar!
Essa clara cegueira de luz e intensa palpação!
O arrepio das horas e dos espaços vazios, tão
Preenchidos quão vazios, de querer e desejar,
Olhares perfeitos para a imperfeição
De sermos tão reais e verdadeiros em vasta certeza.
Ritmos insatisfeitos no passeio que damos em nós mesmos
E na volta que damos para preencher o único circulo perfeito
O cíclico regressar ao estar de partida.

Baixo os olhos para a fraca luz que compõe o quarto
Olho as minhas mãos e todas as possibilidades que ela proporciona
Todo o infinito toque que é em si
Toda a paixão de perseguir no passo apressado
A vida que corre de nós na lentidão de lágrimas
Todo o gesto perdido no espaço errado!

Uma voz que era de ontem
Deixar-me esvaziar no eco irrepetido
Da repetição constante de tudo o que era inválido.

terça-feira, 28 de novembro de 2006

Onde moras mestre por medida?
Eu te espero nesta hora enquanto
O meu cerebro tece rigoroso
O tecido orgânico da vida.

Sim, este meu manto
Que me cobre o dorso!
Enquanto aguardo o paraíso
Que não cabe dentro de nós,
Por isso fora o guardamos
Como se nosso. E preciso
É como a voz
Que para pedir amor utilizamos.

O gesto já não basta,
Há palavras na boca da besta.
Há forças por fora
Embora a hora não esteja marcada no chão
Onde a sombra do sol vai avançando sem crescer,
Loucos, rindo vamos sonhando em vão
Até os olhos acreditarem que somos o que pensamos ser.

Tomamos memórias por contraponto
Quando o terror da mudança nos marca
E o amor e a criança na barca
Balança para longe do nosso encontro.
Olhamos nossas mãos para nelas vermos
Algo
Nosso, com a garantia do que é pago
Com o nada que é sofrer por nossos sermos.

sexta-feira, 24 de novembro de 2006

Encontrei, um dia, já distante,
Alguém que me olhou nos olhos,
Perguntando-me, penetrantemente:
- Quais são os teus sonhos?

Falei de um outro eu, de uma outra gente,
Amores perfeitos por descobrir.
Falei-lhe de um ser diferente,
De outro sorrir,
E de como tudo seria claro e transparente.

Contei-lhe todo o meu desejo de transpôr
O vazio aberto em mim como uma ferida,
Colorindo o mundo com a côr
Com que as pessoas felizes olham a vida,
Encontrando a eternidade no amor.

Eu tinha um plano, mas já não tenho,
Perdi-o há muito tempo, já distante,
Quando me apercebi que o meu sonho
Era quem eu tinha à minha frente.

Ela partiu levando a côr nos seus olhos.

quinta-feira, 16 de novembro de 2006

Quem somos nós?
Alguém já fez esta pergunta
E nunca ninguém lhe respondeu.

Ficou à espera?
Conseguia adormecer?
Ou acabou por morrer,
Como uma fera,
À espera do amanhecer?


meu amor somos nós nesse espelho
não vou repetir olha os teus olhos
velhos
a nossa boca já não beija a imagem
já passamos e nunca estivemos de passagem
onde está tudo o que tu querias?
as noites os dias
já não são mais que fantasias
agora nesta hora fechada
pouco mais vamos reconhecer
desta sombra nefasta do nada
que nesta rara luz viemos a conhecer

meu amor eu não vou repetir
os teus olhos já não têm verdade para mentir
perdemos o que não sabiamos ser nosso
e a nossa carne separa-se do nosso osso

quarta-feira, 8 de novembro de 2006

Protege-me Sol dos olhos.
Vem cegar-me com esperança,
De não olhar a desgraça,
De ter por ver só os sonhos.

Imagina os nossos sonhos
Convergirem na manhã
Clara. E emergirem
Da razão e desespero.

Imagina eu te encontrar
Onde ontem te perdi.
O teu rosto claro e verdadeiro
E o sonho de que fugi
Ser o real, vivo e inteiro.

Festejo, quão mais bela poderia ser
Esta festa que é estar redesenhando.
Que forma de celebrar consegue ter
Mais beleza que o recordar – sonhando?

A onda vaga do passado está encoberta
E não a destinguiria se para trás
Sentisse a vontade da porta aberta
Trespassar, mas em frente, só tu és capaz!

Aclamo a tua voz quente e leve
Que levita ainda em meus ouvidos
O teu cheiro que agora serve
Todos os sentidos sentidos.

(alterna a onda vaga que só espuma
no fim do seu rebentamento nos derruba
e num ciclo de tão bestial e bela bruma
nos agarra de novo com a sua longa luva)

quarta-feira, 1 de novembro de 2006

imaginar é começar a amar POR a primeira gota de água da última chuva

Vale tanto a pena viver quando cabemos dentro da acção de viver. Vale tanto a pena olhar quando os olhos conseguem ver só o que vêem. Algo caiu de mim no momento em que essa aproximação tua ao que eu considero ser o melhor de mim me multiplicou a cada toque teu. Tenho agora os pés humidamente flamejantes, as luzes do metro passam pelo meu olhar que flutua por cima de quem me olha do banco da frente, e indiferentemente faço parte de toda aquela gente que caminha assim, no mesmo pó e até na mesma direcção, mas no entanto debaixo de um outro céu. Eu não! eu voo a cada passo teu na minha mente, a cada sibilante emitida pela tua boca ao meu ouvido, a cada gesto desenhado e eterno. Amor, o filho real da imaginação, o pleonasmo espelhado ao infinito, a inconsciência mais moralizada que qualquer sistema de normas racionais, a lógica mais ilógica por ter o sabor da incerteza constante da circunstância e do destino oculto e decidido.

O momento em que a primeiro gota de água da última chuva da nossa distância caiu, assim, nesse lugar indeciso, nesse lugar não marcado, acontece toda a magia de não ter acontecido nada, nesse beijo de tantas formas, nesse beijo de mil sabores, nesse beijo perfeito de não existir; mas certo! ah! sim tão certo e esperto porque espera e sabe que vem e que saberá bem, que vem sem adiar, que vem sem esperar, preciso sem contar cada segundo que passa sem passar, porque eu fico e acabo por sair de mim, mas volto num instante porque sei a hora e quero estar presente! Sim, nesse agora, sem demora, esse já que está por vir, esse presente sentir do que será este rir:

esquecimento inesquecível de esquecer.
momento imprescindível ao crescer.
sentimento imperceptível do ser.
movimento invisível ao ver.
pensamento indivisível do querer.


Dá-me as tuas mãos, toma um piano, toca para mim uma melodia qualquer, desde que seja tua e tu a queiras mais que a imobilidade deste meu olhar fixo em ti.

O dia em que me esqueci de te escrever

Era um dia de sol, normal e inalterável, tudo estava mutilado pela calmaria impressionante que se instalava nesta mesma pastelaria em que agora, sentado, fumando e bebendo com a estranheza humana e só humanamente possível deste dia ser igual a todos os outros. Outrora, outra mesma estranheza se instalava entre mim enquanto ser ausente e verossímil por dentro e ser (não-ser) presente e impossível por fora. Toda a acção humana se derramava no meu olhar como raios de sangue nos meus olhos; cada pessoa na sua individualidade se erigia no meu olhar como uma cova funda em redor dos olhos de uma noite desperta. E eu fumava e esperava sem esperar, com a certeza de uma madrugada. As ventoinhas paradas, não arejanto nem o fumo nem os fumadores, o ar condicionado condicionadamente parado não condicionando nada... As vozes e os ruídos simultâneos de ideias e pensamentos e verdades e certezas imperceptíveis e distantes, e instantâneos, como um som de um automóvel (com a verdade total do tempo e do espaço) irracionalizável ao passar a 200km/h por um ouvido atento ao mais pequeno tempo num só espaço. Laranjas, vinhos, maioneses em vitrines que reflectem espaços mais iluminados. Os olhos de uma empregada atrás do balcão, mexendo as mãos com um automatismo impulsionado quase só pelo instinto.

É assim a verdade que se nos apresenta todos os dias, é esta a única realidade das coisas em nosso redor, é neste tipo de espaços e nesta ausência para o que entendemos ser “nós mesmos” que encontramos, lucidamente, a promessa de um início de um nosso ritmo que nos faça saltar daqui para o espaço em que algo que não vemos acontecer, algo maior que todas as pastelarias do mundo (algo mesmo maior que o mundo!), algo que divide o tempo em três, ligando-o, o que nos faz ser existindo e existir para o mundo.


Este dia em que me esqueci de te escrever, o “me” não era eu e o esquecer não foi meu, porque nem a mão era minha. Este dia que te descrevo agora é o único dia que foi meu porque eu não cheguei a ser mais que esse dia, e assim, maior que a pastelaria e o mundo esse dia transbordou do meu interior e foi preenchendo o meu exterior até ao horizonte. Quando fui a dar conta eu estava, eu era, eu cabia todo dentro do dia.

quarta-feira, 25 de outubro de 2006

Princesa encantada, por qual dos teus olhos me viste
Quando eu passeava a minha alma no teu jardim?
Ai! Não pensaste nem sentiste, simplesmente sorriste!
Tão calma e segura, abriste caminho para mim.

Oh! Princesa teu coração vacilou incerto e vazio,
Tão modesto e humilde ao entrar no meu terreno
Vasto, mundo baldio, chamuscado, infértil, frio,
Inculto sim, em tudo, à excepção, talvez, do medo.

Abandonada aqui construíste o teu castelo,
Armaste-me cavaleiro num cavalo sem esporas.
Continuei o mesmo e tu do meu orgulho choras
Lágrimas pelo desespero inquietante e belo.

Percebe que eu sou só cavaleiro de um romance,
Espírito, alma que não finda nem muda nem cessa.
Então transforma-se, ama-se sem que nunca se canse,
Se vive também vai morrendo sem glória nem pressa.

Através de teus olhos eu te olho, fundo e grave,
Destacando o sorriso e a tristeza imprecisa.
Sou um espírito no sótão, enterrado na cave,
Minha alma sobrevoa por esse castelo que não pisa
O Chão.
Sou um coração pisado que pesa,
Cansado da armação indefesa.
O corpo ateu, que reza.
O morto teu, Princesa.

terça-feira, 24 de outubro de 2006

Bola

Amor, primeiro a coincidência do olhar, a incidência desse magnetismo semelhante ao dos planetas. Depois vem o rosto, gesticulando a promessa dessa beleza tão insuperável. Seguem-se os gestos, dando rosto a algo nobre e alto com as mãos orquestrando a valsa onde os nossos destinos se cruzaram.
Depois, o mundo cai-nos em cima, os olhos escondem-se, os rostos tapam-se, as mãos têm na sua pele a flôr dos nervos fervilhando, o ambiente da sala sufoca-nos, as vozes são ruído para os sentidos, uma unha a arranhar um tecido é um trovão, o bater de uma mesa contra a outra é um violento acidente de viação, o cair de uma caneta ao chão é forte demais para os tímpanos, e as palavras saem desconexas e voláteis.
Então brincamos, fingimos, fugimos ao assunto para ir ao encontro do riso, “o mundo é uma bola! o mundo é uma bola!” e gira comigo e contigo lá. O desejo? Esse é para quando somos grandes e maiores que o mundo e que os deuses, mas agora aqui somos crianças, o mundo é uma bola e nós cabemos bem nela e ela em nós enquanto bola que é, os deuses riem-se connosco e somos os dois maiores que o tempo.
Depois, a distância não se mede com réguas, uma parede é querermos ser maiores que nós, um amor perdido é um amor não tido, o mundo volta-nos a cair em cima, tentamos pô-lo por baixo e ele volta a rolar nos nossos pés, nós somos grandes, até ao próximo... Amor, primeiro a incidência do olhar, a coincidência do magnetismo, semelhante ao dos planetas. Depois vêm os gestos, dando rosto à promessa dessa beleza tão insuperável. Segue-se o rosto, gesticulando algo nobre e alto com os lábios sibilando o conto onde os nossos destinos se cruzaram.
Depois caimos em cima do mundo, os rostos escondem-se, os olhos tapam-se com as mãos: fervilham os nervos à flôr-da-pele, há no ambiente da sala ruído, as vozes sufocam os sentidos, um trovão é uma unha a arranhar um tecido, um acidente de viação é como duas mesas a baterem uma na outra, os timpanos não percepcionam a caneta que cai no chão, e voláteis ficamos desconexos das palavras.
Então tornamo-nos sérios, procuramos a razão, arranjamos temas para ir ao encontro da memória “o mundo é plano, o mundo é plano...” no qual sobrepomos os nossos planos. O amor? Esse é para quando somos pequenos e frágeis perante o mundo e os deuses, porque agora somos crescidos, o mundo é um plano no qual planeamos o nosso plano e rezamos aos deuses para que nos salvem a tempo.
Depois da distância percorrida notamos que foi no sentido inverso, uma parede intransponível é sermos maiores que a porta, um amor perdido é o que não chegamos a ter, voltamos a cair no mundo, tentamos pô-lo acima de tudo e ele volta a fugir debaixo dos nossos pés tal como os nossos planos, nós somos pequenos, até nunca...

segunda-feira, 23 de outubro de 2006

Esse Agora

Nunca me converto ao que sou.
Vou sempre sucumbindo à tentação
De ser no tempo que passou,
Volvendo levemente com a mão
As páginas da memória, dou
À presença das horas a razão
De se ausentarem quando estou
Entregue à minha eterna submissão.

Vejo o suficiente para saber
Que a gente tecida desta teia,
Sobra do tempo, que sem querer,
Mistura na mesma estreita veia
A ternura e amargura de viver,
E passeia sem dar conta que vagueia,
Pela estrada que tende a anoitecer
A cada pegada apagada na areia.

Nunca serei presente!
Ó passado sublinhado,
Estarei presente, talvez, uma ou outra hora
Entre mim e o que for eu de passado,
Mas nunca, nunca saberei realmente
Distinguir nessa demora
Esse agora pelo tempo compassado.

segunda-feira, 16 de outubro de 2006

Nova Esperança

Deixo existir a natureza
Tomando pelos braços
O que me toma
Marcando passo a passo o compasso
Subtraindo de mim a tua soma.

Caminho em passos lentos
Compassados
No ritmo de querer e de ter força
Mas a vontade presa aos passados
Não traz verdade à nova esperança.

***

Ninguém mas tu
Que soubeste sem saber
Minha hora, esperada.
Nesta manhã a nascer
À hora marcada.

Ninguém mas tu,
Soubeste ser, sem nascer
Na minha hora.
Nascente antes
Em mares distantes
Mas vieste brumar à minha orla.

Ninguém mas tu
És esperança da paz
Que eu não alcanço
És a criança
Que me refaz
Do meu cansaço.

sexta-feira, 13 de outubro de 2006

Eu sei, este silêncio podia muito bem ser noite e gargalhadas, esta saliva amarga podia ser álcool do teu copo, estas cinzas no cinzeiro opaco de cristal podiam ser fumo azul brilhante em movimento hipnotizando-nos. Rimonos porque nascemos e choramos cada vez que algo morre: pode até não morrer alguém ou algo, podemos até nem chorar, mas algo nos deixa algo de tristeza no olhar, ou parecido, como o vazio do fim da festa que acabou sem nos apercebermos. Tão bom saber que existe todo um conjunto de signos e ícones que nos une através dos séculos e dos segundos à lua, à sua luz... à sua noite, negrura vasta estendida pelos céus. Que deus maior que este? Omnipresente, omnipotente, insistente ao fim de cada dia. A noite encobre os nossos pecados, mesmo inocentes, sentimo-nos perdoados, somos levados pela mão a finalmente Ser. A existir! Que dia pode definir tão bem como a noite as nossas vontades, os nossos desejos, os nossos sorrisos, os nossos crimes? Que poder posso eu ter perante o brilho do sol que tudo expõe? Que felicidade posso eu tirar dessa harmonia e dessa luz, dessa perfeita demonstração de natureza que eu não sinto? Sei que é na decadência, na acção depois do fim, cortinas fechadas a essa representação diurna em que o homem finge e disfarça a sua forma, que posso sentir que o ser humano é algo mais que humano, que as pessoas são mais que pessoas, que somos deuses e que sabemos a vida de olhos fechados, porque passado as horas do sono, mantendo-nos acordados, redescobrimos a essência de viver depois do fim.

segunda-feira, 9 de outubro de 2006

Vieste, na tua posante sedução
Pelas linhas afectas da feição,
Perdida nas ruas rectas da razão,
Encontrando a lua distante neste chão.

E eu, criado da vontade e do desejo,
Plácido e estonteado em teu beijo,
Cego pela luz dessa rotina,
Triste pela feliz orla da neblina,
Tentei não te encontrar perto do fim.
Procurei fugir para te encontrar,
Tentei fingir que te encontrava.
E encontrei a fuga que em mim
Só no silêncio da verdade se mostrava.

Procuro, ainda hoje, essa ambição,
De ambicionar mais que esta existência,
Formar no ar castelos de paixão
E ter em mim toda a ciência.

Mas os dados do jogo deste amor
Jogam no prazer de qualquer leito
De nem saber que nada sei, deste meu gosto
Pelo sublime defeito do teu rosto
De crime perfeito.

sábado, 7 de outubro de 2006


O fim da festa,
Que coisa mais triste e nefasta.
A minha alma afasta
A mente, e queima e arrasta
O meu corpo, que quer mas não basta.

Vida. Noite, adormece-me mais uma vez,
Conta-me essa história repetida loucamente,
Essa história sibilante da nossa pequenez
Vangloriando a voz que se esvai humanamente

Fim.

Começo.

Sim.

Reconheço a tua voz.
Paixão. Morte. Motivo.
Colar de pérolas atroz,
Estrangulamento passivo.

Desejo. Fé. Raciocínio.
Meramente vontade
De soerguer a verdade
Ao pôr-do-sol do declínio.

terça-feira, 3 de outubro de 2006

Só a nós cabe

A realidade
Destruída
Reconstrói-se.
Só a nós cabe
Essa ambição.

Falam-nos múrmuros
Rostos tapados
Nossos passos.
Só a nós cabe
Segui-los.

Dizem-nos calmos
Espíritos outros
Nosso Destino.
Só a nós cabe
Tê-lo.

Dançam as mãos
Brincam os olhos
No espaço.
Só a nós cabe
Pousá-los.

(Foto: Fonte da Moura, Forte de S. Neutel, Chaves.)

domingo, 1 de outubro de 2006

O Cheiro Deste Livro Excita-me

Como é que tu adivinhas coisas assim? Ainda estou para descobrir, e acho, convictamente, que vou estar para sempre. Eu e qualquer um. Convicção é a última coisa a nascer, e como eu estou convicto de que não há princípio nem fim, porque estes são establecidos sempre pelos humanos, qualquer "algo" é sempre algo entre aspas, nunca algo em si, sempre aproximado, nunca total, até o mais complexo dos sistemas, algo quase, nunca algo algo. O exemplo, tudo o que eu escrevo, tem princípio e fim porque eu o começo e acabo por parar num ponto qualquer, o que eu quero escrever, sobre qualquer coisa, nunca começou nem vai acabar, porque é, e é a isso que eu tento chegar, sem nunca chegar, tentativas quase inúteis de mostrar que tenho para mostrar o que tenho (e todos podemos ter) de indemostrável aos outros. Por aí se criam (capacidade de síntese do existente, ou seja, fazer caber na consciência uma existência, que de qualquer maneira é sempre maior que a consciência) todas as "disputas" humanas e imperfeitas para consciencializar a experiência (cabendo esta na existência real e nunca totalmente percepcionada pela consciência ou na ideia já pervertida de uma parte incompleta de experiência) que fazem de nós aquilo que nós pensamos ser sós e que nos tornam na maravilhosa criatura social, como esta aparentemente complexa consciência social que nos dá esta experiência e existência social tão surreal quando observada de fora. O quanto os deuses se riem! Eu não falo sozinho.

terça-feira, 26 de setembro de 2006

Amo-te*

*sujeito a alterações sem aviso prévio.

Sensibilidade como Poder

Porque é preciso parar, por um bocado, de vez em quando, com esta coisa da poesia, estais todos a ficar com uma ideia muito errada de mim! E isso não é grave nem mau, mas de qualquer maneira, e para salvaguardar a sociedade de fazer generalizações estupidamente dignas e verdadeiramente legítimas (sim, porque eu tenho o direito de não gostar de deputados, até posso odiá-los, e isso é bonito, principalmente havendo no universo a hipótese de eu me apaixonar por uma) sobre os poetas sendo eu um. O que é um poeta? Alguém que escreve poemas. Porquê? Porque é sensível. Vamos lá pôr a ideia de sensibilidade em ordem, a sensibilidade não é fraqueza e subjectividade. É poder (e bem objectivo)! Um poder de viver, ver e sentir coisas que não estão , que não existem enquanto factualidade certa e palpável ou lógica, isto é: são imaginação. Fernando Pessoa já fez esse trabalho de explicar o fingimento poético. A sensibilidade poética é objectiva, a partir do momento em que se designa de sensibilidade, porque é um verso, é um poema. E um poema tem, na sua subjectividade, a maior objectividade de todas, porque consegue transmitir aquilo que não é nem nunca foi, ou que está disfarçado de subjectividade, mostrando o que foi por algo impossível ou excessivamente genérico (como por exemplo por uma metáfora). Mas toda essa subjectividade têmo-la nós na nossa mente, quando queremos explicar o inexplicável, sendo o tipo de mecanismo que o poeta usa e transforma no trabalho árduo de objectivar, de focar com uma lente qualquer (as musas, os deuses, o superior, o amor, o que-tu-quiseres-que-seja...), aquilo que é subjectivo e insensível, establecendo assim a sensibilidade como poder.

segunda-feira, 11 de setembro de 2006

O dia em que me esqueci de te escrever


Porque hoje esqueci-me de te escrever, de te pensar. Dia este em que desisti de procurar na tua pessoa sentido maior que o seres pessoa, sonho maior que suspiro, sombra maior que forma e desta forma encontrar mais um pouco de mim por um pouco que seja. Tudo o que possamos dizer a nós mesmos sobre a eternidade e o infinito é mentira... a eternidade é o que guardas, o infinito é guardares sempre.
Adoro o teu olhar, ah! como adoro o teu olhar. Mas não, nunca, nunca por palavras conseguiria fazer ver essa magnanimidade, porque se conseguisse não precisaria de olhar para ti e te ver como fenómeno inteiro e real, completamente real e palpável.
Estou pasmado e imóvel perante a vida que começa a cada ponto, movendo ponto a ponto com a força toda do passado, isto, consciente de si e de cada seu passo e pégada. Porque hoje eu esqueci-me de te descrever, ao som murmuro do vento, à voz ausente do momento, que por ser momento é um eco de um som que não ouvimos muito bem... Coisas que ficam na sombra de trás da luz, que se perdem numa voz que as seduz, para serem mais que sombras ou formas... mais que palavras sao cordas que prendem... e prendendo não soltam.
Porque hoje esqueci-me de escrever e te traçar pelas linhas comuns do papel. Porque hoje por um motivo qualquer deixei a caneta perdida na sarjeta ou no passeio ou na estrada, e todos os que por ela passam a ignoram e ela com a verdade de todos eles em tinta unida. Hoje esqueci-me de te escrever pela falta de papel, ou pela dor de cabeça insuportável que não cheguei a ter. Hoje esqueci-me de ti e de escrever não me esqueci, porque estás aqui no que escrevo, sem estares porque me atrevo a dizer que me esqueci de te escrever... Mas não me esqueci de ti porque tu és passado e um dia foste futuro.

quarta-feira, 30 de agosto de 2006

Simples é a promessa da vitória.
Dificilmente se volta a olhar nos olhos a incumprida vida
Desde que ela não olhe nos nossos e nos cegue.

Olhando para ti, no verde verão suado que passou,
Penso nas infinitas hipóteses
De te encontrar, e nas formas perco toda a esperança
Porque nunca será melhor do que foi.

O que foi é, seja o que quer que tenha sido.

(Ah como o sinto
Como o cheiro
Esse tempo que passou)

Voltará? Nunca e sempre.
Da promessa que regressa
Na lágrima e na memória.

(O toque, perfeito toque...
Como te sinto agora sem te sentir
Que ponte te aqui trouxe?
O teu efeito é vasto como o universo
E na verdade é um mar sem ondas…)

Quão errado é pensar o sentir,
Na verdade é uma onda sem mar.

sábado, 19 de agosto de 2006

Quase

De volta, enfim, de volta.
Sim, meu amor, voltou...
Na volta nunca saí, mas agora estou
Mais em estar que em consciência.

Não quero saber.
(Recorda e mutila-te!)

Quase te vi.
Quase te amei.
Quase tentei.
Até quase me dói.

Ri e esquece...
Fugir da fuga de mim,
Ouve, adormece,
Olha e aquece
O esplêndido sono que vem do fim.

sexta-feira, 4 de agosto de 2006

A Escolha

paixão s.f. tendência dominante, ou mesmo dominadora e geralmente exclusiva, que exerce, de modo mais ou menos constante, acção directora sobre a conduta e o pensamento, orientando os juízos de valor e impedindo o exercício de uma lógica imparcial; sentimento profundo; grande predilecção; afecto violento; amor ardente; o objecto desse amor; grande desgosto; parcialidade; tendência exaltada, exclusiva, absorvente e duradoira; martírio de Cristo...

amor s.m. sentimento que nos impele para o objecto dos nossos desejos; objecto da nossa afeição; paixão; afecto; inclinação…

in Dicionário de Língua Portuguesa, 8ª Edição, Porto Editora.

Observo de fora
Nesta tendência dominante
A sorte dominadora
Exclusiva e constante

Então escorro dirigido
A minha moral afundou-se no teu mar
Para quê fugir ao perigo
De afundar...

Se sabes tão bem flutuar.

Amor ardente
Absorção exclusiva
Pela carne viva.
Desejo que fatalmente...

Bóia violentamente.

terça-feira, 25 de julho de 2006

Vazia está a espera
Derramada a vitória
Anoitece a branca quimera
Sorteada a gratuita glória.

Quero acordar
Sem recordação.
Partir, sem ficar
Marcado pela carnação.

Despejo de voz de gesto
De rosto e de nojo.
Desejo o oposto,
A identidade sem pejo.

Já nem uma procura;
A voz está quieta,
Adormecida, está escura,
Calada, refeita em amargura,
Suspensa e perfeita.
Silênciada e pura.

em busca de Orion

A Sophia de Mello Breyner Andresen

Dansas em vapor
Pelo calor
De uma chama arrefecida
Escorres por cidades e caminhos
Desaguas no inteiro e puro ninho
No começo de tudo quanto é vida

O azul que te liberta
É a grade da tua verdade
Mas tu vieste segura e encoberta
No manto da humanidade

Liberdade pura e vasta
Concreto o teu percurso
Com o manto que se arrasta
Perseguindo o oposto do universo

Agora olhando cada verso
Se revela o interior mais belo e pleno
Nos teus olhos espelhado o protesto
A teus pés o mar sereno

segunda-feira, 26 de junho de 2006

Morto

I

Não vou desperdiçar o agrado
Que tenho por certo na melodia
À extensão do certo e absoluto
Sem metade do esplendor do dia

Que interessa a palavra e a promessa
Sem a extensão do brilho do prazer
Vulcão sem erupção
Dançar sem música, olhar sem ver.

Não te vou dizer o que fazer
Nem te pedir que te aproximes
Vens se vieres, caso não venhas
Viverás por esses crimes

II

Ouço uns passos atrás de mim a supor
Pobre vadio, passo a passo, mais perto e sujo
Pede-me um cigarro, “claro!”, e vai com a dor
Que me deixa de pena e de nojo

Sem culpa me desculpo, mas que culpa
Posso eu ter do que não tens e do que vens.
Sinto-me em ti, e eu outro revivo à lupa
A tristeza e o alegre infortúnio que tu tens.

Dou mais um bafo no cigarro e atiro-o para o chão
Olho as luzes, a pedra, e algo de dor não sai
Estou outro, mais próximo. Altruísmo igual à tentação
à inveja à cobiça. Algo da máscara cai.

Imagino em mim outro eu, outra existência,
Revejo o passado e o presente
Tolda-me o olhar a causa e a consequência,
Sento-me exausto nas escadas da mente.

Que força maior há que o individual
Retaliando sem retaliar à voz da gente
Olhar do meio a totalidade social
Olhos de um diferente indiferente.

III

Nasce a tua voz, como nascente
Penetrando funda e grave a minha face
Poluída e inócua pela sombra inerente
À luz bifurcada que aquece.
Continuo, passo a passo
O luar, lá em cima, que nos observa
Com os olhos te trespasso
E o cheiro a tudo, e o nada a erva.

Grave. Parado. De repente um grito
Um suspiro aflito.

Renascendo do mais profundo que existe
Algo de palpável no teu destino
Aí! Aí! Na tua pele que brilha e ris-te
E o teu riso renego e obstino

Depois abro a boca e calo-me, paraliso
Fecho os olhos, viro costas, parto
Tu ficas embebida
Em ti
E eu sigo a vida
Morto.

Horas de declínio

Horas de declínio
Fazes por vezes o tempo por ti
Fazes por vezes a hora e esqueces o espaço.

Derretido pela dactilografia da minha fisionomia
Tento chega fundo, à alma e ao espírito;
Mas destes dois apenas concluo o seguinte:
Que a alma é o espaço onde tudo cabe, de mais ou de menos;
Que o espírito é o tempo que sempre passa e que sempre fica.
E eu, onde não caibo me meto
E eu onde nada fica eu não passo.

Ó gesto que ficas-te perdido onde não foste gesticulado
Qual é a verdade da tua consequência que não tomou tempo
Onde ficaste gravado sem ter existido?
Perdes-te a consciência na fugacidade de um momento.
O que de ti ficou agudo a pressionar o que já foi?
Aquele que ficou mudo e pelo tudo se dispõe.

vida

Nesta palavra tão solta de palavra.
Encontra-se.
Vida. Encontro. Despedida.

Nada tem significado.
Aportam. Esvai-se. Nada: é o que é.
Pressa ou rara reduz.
Alma. Espírito. Luz.

Instantes de sílabas.
Vagas estapafúrdias da gratidão.
Terra. Ar. Solidão.

sexta-feira, 16 de junho de 2006

Constatação

Se não posso ter lugar nessa mesa,
Ao menos todo o espaço!
Cada pedaço da parede e desse chão
É meu! Enquanto a chama está acesa
Eu, eu medonho e triste passo,
Mas cheiro a felicidade e a paixão.

Amante das paredes nuas,
Das ruas amareladas, e amor
Tanto pela vida como pelas sombras…
Erro como um fantasma pelas ruas,
Pela beira da beira do interior
Do que sobra do resto das sobras.

Pelas sombras vividas
Pelas sombras escondidas
Por trás de almas apodrecidas
Quem nega a verdade?
Quem rega a infertilidade
No chão dos fados,
Quem se entrega à totalidade
De olhos fechados?

(Sonhos sonhados
Sonhos completamente sonhados
Vivamente sonhados

Não rezo a deuses
Não falo comigo mesmo
Não tenho um eu

Não procuro nem felicidade
Nem amor
Nem paz
Nem alcançar nada que imagines

Sou sem saber o que é ser
Sou sem ser
Porque sei acordar
Mas vejo-me a adormecer.)

Procuro-me sóbrio, útil e inteligente,
No culto íntimo, lavrado a vertical.
Encontro-me vago, indelével, entre a gente,
Nem me divido em bem e mal.

Nem o meu rosto reconheço,
Apavoro com a minha presença;
Por isso tudo tenho o que mereço:
O tudo, o nada, e a sentença

Respirávelmente lato,
Sinto, sim, sinto!
Vivo, não, minto:
Constato!

quarta-feira, 7 de junho de 2006

Fomos os dois cinzas
Antes do momento em que aqui não estamos
Já não sinto a forma que pizas
Nem o perfume que criamos
Até a tua fala congelada
No intervalo do suspiro do fim
Na totalidade desta ferida fechada
Esta cicatriz de ti em mim

Esta cicatriz da partida da tua ausência
Esta doença curada da tua consciência

Restam sobras de restos
Sobram restos de sobras
Os teus olhares e gestos
São só sombras de sombras

Não são mais que sonhos
Estes ventos mudos
São olhares contra olhos
Perderam os escudos

Perderam as armas
Numa guerra sem terra
Neste mar de almas
São o espírito que erra.

domingo, 4 de junho de 2006

Tu, mais nada

O que é mais vasto:
O mar, ou o universo?
Ou o resto do gesto,
Da noite passada.
Cada voz, cada verso;
Um grito, um protesto,
És tu, tu, mais nada.

Buscando o tal mote,
O tal sentido do agora,
Mais fundo que a morte,
Mais leve que a hora.

Onde está o amor que eu tanto queria
O toque da sorte, e da dor que se esvaía?
A promessa da vez sem hora marcada
A peça onde tu e eu... onde está esse dia?

(a noite sorria)

Em ti, em mais nada.

Descalço,
ou pelo menos,
De cordões desapertados,
Caminho no encalço
Dos meus medos,
Nesta sombra dos
minutos expirados.

O que está mais distante:
A loucura ou a madrugada?
Ou a visão incessante,
Da tua imagem dançante.

Estás tu, tu, mais nada.

quarta-feira, 31 de maio de 2006

A alma desapertada!


Pelo passeio dos vencidos
Erro. Olhos profundos, cansado,
Copos vazios, todos bebidos,
E algum do líquido verte,
E o meu corpo, inerte
Vendo o cordão da alma desapertado.

Guardo o que de mim foi
Na força intermitente,
Como néons do passado,
Já cansados do presente.
Os olhos fecham, a mente
Dói.

A alma desapertada!

A alma totalmente desapertada.
A voz rouca, fraca, pouca... irada
Talvez de outra força que vem
Não sei de onde, ou como, não sei nada.
Só sei que por aqui já tudo acaba,
E o fim é o espírito que espírito não tem.

sexta-feira, 19 de maio de 2006

Estou na espera. Na espera de esperar, que desespera, o ponto do encontro da ironia e do tempo. A afirmação lenta e indelével do espelhamento do espaço. A luta do nada contra o tudo. Força do vazio e do silêncio que na melodia do tempo que esvazia, enche de um poder de querer, cíclico e autónomo do ser, ver: um ver que sabe, na imobilidade, ter a força dos astros, dos deuses, e da pedra, que sabe ser o poder na mão da revolta ou o tropeçar fatal para o abismo, e sempre disfarça inofensiva o rosto irónico, de quem dá ao homem a escolha do carácter, da acção de a apertar na mão e romper a janela do mundo, ou a fatalidade risível de nela se encontrar o fim: o ricochete na parede onde não foi plantada uma janela: o acaso.

quarta-feira, 3 de maio de 2006


Da janela do meu quarto
Vejo um mundo, exterior, infernal,
Velocidades que rompem o asfalto
Fecho os olhos com a janela aberta
(Desperta! Desperta que algo aconteceu
no segundo em que te viras-te para dentro
com a janela aberta.)
Descubro o que deixei a descoberto:
Foi o tempo de nada e do que sou.

Nada do que está exposto importa,
São séculos vazios, preenchidos
Por ecos de heróis, todos vencidos,
Pelo chiar de uma porta bem fechada.

(Um pé se apoia no areal,
algo brilha no seu olhar, frio e fatal.
É o hedonismo que virá e nada evita
levanta-se o lutador, suado, e grita:

“Todo este sangue é o derrame do passado,
que verte para o balde do futuro!”)
Na sombra deste homem, destacado
Surge o mais claro sentido d’obscuro.

Algo adormecido está no brilho
Que não raia na profundeza, prolongada
Fina e lisa linha contínua do caminho,
Que alimenta a força da caminhada.

terça-feira, 2 de maio de 2006


Escrever é a materialidade mais espiritual que existe; mesmo que não escrevas, a mão do cosmos escreve por ti.

(Foto: sim, são nuvens.)

quarta-feira, 26 de abril de 2006

Falta à voz a cria insensata,
O conhecer atroz, a vida de prata.
Caminho de sós de vagos planos.
Caminho de paz, amor e enganos.

Trava a solta liberdade que desdenha
O fumegante sonho insípido e insalubre.
Pensamento puro que desenha
Imagens que naufragam a milhas do deslumbre.

Algo sente por nós, algo nos rouba
(Lá vão milénios, lá vão, e foram!)
Todos os cortes d'alma de quem louva
Deuses de pecados que em dor nos cobram.

(Pintura: Francisco Goya, La Maja Desnuda.)

Outra que não esta
Sensação pura e nefasta,
De um outro regresso que demora;
Um regresso a outro outrora.

Sonho agora que desperta
A ínfima tarefa, poder que desconhece
A força quase incerta
Da certa força que tudo amanhece.

Importante? Que importância
Humana mais que a crueza nua
De ter por salva a ciência
que apenas salva quando actua?

terça-feira, 25 de abril de 2006

O fim do resto

(...)
Que me importa isso? Que me importa que me importe?
Não me importa nada
Porque eu estou além da vez que passou.


Tristes passos dados no caminho
Alegres as vozes que nos fazem chorar
Na vez de estar aqui a receber a herança dos antepassados
Mortos
Passados
Enterrados
Quem viu a grande explosão de tudo isto?

Aqui de soslaio para a caixa mágica, explodem mil milhões de parvoíces na alta tecnologia, ao serviço da nova arte comercial. Publicidade, obras mainstream da classe social dominante. Serviço para nos criar de novo. E o que é imprevisível? Qual será o homem de hoje que será amanhã enaltecido? Há sempre um rosto por mais que nos tentem confundir com esta liberdade. Privaram-nos da liderança. Privaram-nos do ideal, do fanatismo… de acreditar! Espalhados à nossa voltam estão quadros em branco, vazios, sem qualquer conteúdo. Querem-nos vender, comprando-nos.
Era tão bonita a palavra união. Afirmação. O grito exaltado da revolta por alguma coisa. Hoje são cacos espalhados no escuro do ar que respiramos. Ínfimos pedaços que nos esquartejam o interior. Prendam esta liberdade que anda à solta. Caso contrário, eu vou-me sentar aqui, e tentarei não pensar em nada.

A Moral de Kant

A moral é querer
Sem vontade
De estar.
É ter partido
E ficar.

Moral é sair
E entrar
Com paixão.
E como sempre
Dormir no chão.

Moral é abdicar
O tudo
Pelo nada.
Sem ter em conta
O fim da estrada.

Moral é tornar
Divina
Nossa sepultura.
Viver na claridade
Da noite escura.

quarta-feira, 19 de abril de 2006

Sanakebite

Intolerant, intermissions among parallel worlds
Reached your subconscious with cognisant things,
Invisible lines, blockades, force; break links.

The link of the life,
Wicked but well,
Life, ego, farewell,
Calculate your evidence!

Destiny walks,
Feel this movement sensation,
When you draw, tracing the saw,
You get to set the encouragement.
The event turn into a enigmatic element.
Hug the mystery, tic tac time sta-tic.

You got the time. You hold the time.
You better close all the doors that grip the line.

Tic Tac
Time
Sta-Tic

Emphatic
For the time and space, lost, closed, captive in the attic.

Notice that everything freezes in your mind.
Notice that your mind freezes on everything.
Notice the freeze when your mind is everything.

You fall… the angel no longer looks after you, simply remain.
You are at random, the destiny doesn't sound his echo in this present incarceration, the wind doesn't blow trough these walls of dogma.

How couldn’t you find this fun…
The snakebites, it has the poison you rear…
You’d kill the man givin’ him the gun…
When it bites is the death, and the bite is the fear…

The ego, in him embarks to the infinite,
Until you sink in the life structure,
Resurrect in the death of the myth.
Reach the end, without departure.

terça-feira, 18 de abril de 2006

Abre-se a cada segundo em mim
Como uma fenda na terra do fim
Fecha-se a cada segundo
a voz
E engole o mundo
a fundo
a cruz

O paraíso descobre-se no encobrimento
De um tempo que morre que vem e não há
No espaço do vento que sopra mas não vá
Levar-me à distância da irrespirável ausência

És numa palavra tu
És a que vem encoberta
És a que esconde
A que abafa
E deixas a porta aberta

Dogma

Conjunto de circunstâncias e determinações, cujas determinações são circunstanciais e em que as circunstâncias são determinantes para uma fatalidade emparedada por paredes infactíveis de força superior à vontade, e mesmo à razão, tornando-se vontade e razão por força, não da irracionalidade e ataraxia, mas de uma razão involuntária, e de uma vontade não racionalizada.

sexta-feira, 24 de março de 2006

Portas Que Abrem Chaves V


Vejo-te ao longe
E perto te penso
A amar.
O que da distância foge
Quero-te agora, mar,
Para voltares no regresso
De querer voltar.

***

Sinto-te ao longe
E perto te imagino
A ser.
A imobilidade que foge,
Quero-te meu, querer,
Para existires no regresso
De voltar a nascer.

(Nota: esta exposição de fotografia e poesia é dedicada à cidade de Chaves, daí o nome Portas Que Abrem Chaves
Note: this exposition of photography and poetry are dedicated to the town named "Chaves", which means keys, and give meaning to the title "Doors That Open Keys" - the town.)

Portas Que Abrem Chaves IV


Eu queria
O dia
E a noite num só rosto.

Uma viagem
Pela paisagem
Do oposto.

Acorda-me agora
Mas acorda e devora
O outro lado do espelho
Indisposto.

Vaga a recordação
Lá o projecto,
Em vão
Lágrima afecto.

Avisa-me do preço,
Declara a tua nua fragilidade
Cara de lua e impiedade
Cara metade de metade do regresso.

Acordo,
Levanto
E volto a deitar.
Absorvo o ar
No sorver do pranto,
Ardo.
Água que arde
Na ardente liquidez
Da chuva da tarde
Em que toldo do fim de uma tua rua nos fez.

Olhas e olhas e não vês.
Não queres ver.
Nem teus olhos merecem
Palpar o meu sofrimento na cruz
Do meu cruzamento de sofrer
Com meu futuro que os deuses esquecem.

Eu voltava
Se pudesse
Ao princípio do mundo
Eu chorava
Se houvesse
Algo de algo no fundo.

Portas Que Abrem Chaves III


No despertar do sono
A realidade emerge
E nos devora.

Mas quando ela
Nos aflige

Na aurora

Ele se desflora.

Como esfinge
À chegada da insuportável hora
Na detestável realidade que se finge

Ele a mascara.
Como um espírito que nos atinge
E se evapora.

Portas Que Abrem Chaves II


Qual foi a fada
Que te semeou?
À beira estrada,
Na beira longínqua
Do nada.

És epicentro
Isolado.
Corre em ti o vento
Corre em ti, lento,
O tempo parado.

Em ti vivem estátuas
Que emergiram
Dos antigos.
Em ti estacionaram
Memórias fátuas,
Fomes d’outros trigos.

És ouro banhado
No bronze.
Escondes o fadado
Mistério, que te benze.

Portas Que Abrem Chaves I



És sem ter sido antes
A novidade esperada
Sabes ser nova
Cada vez que és desejada

Danças e colhes os frutos
Que o tempo semeia
No chão.
O vento levanta a areia,
Mas a ti não.

Algo se esconde em algo
Que desconheço,
Tépido sonho em que adormeço.
Vejo-o tão perfeito,
Que estremeço.

És tu, tu, que aqui vens,
E só por aqui não estares,
Vens. E sabes que os mares
São marés que tu tens.

Afastados de nós mesmos
Nunca nos vejamos. O mundo
Está em ser vivido nos termos
De a gente ser gente,
A vida ser vida, incessante.
Mas se por acaso, os fundos
De uma qualquer razão te atracarem,
Pára!, que a verdade é do segundo
Em que as realidades sonharam.

sábado, 4 de março de 2006

Não vou ficar mais uma vez acordado,
Na espera intermitente do descanso.
Gastando, passo a passo, o passado,
Passando sem ficar nesse avanço.

Olhando o valor que subestimo,
Fico pasmo na imobilidade,
Amo e acredito no abismo,
Ser: não mais que a vaidade.

Algo cai quando em nós caímos,
Valsam as vidas como folhas caídas,
Então a voz é música que ouvimos,
No murmurar tépido das vidas.

Nevoeiro espesso que me cega,
Nada impede, conforta a novidade
Do que vem, do que se entrega
Ao desespero silencioso da verdade.

Caminho o caminho a traço e não sei
Onde estou, quem eu sou, onde vou;
O que de mim para trás deixei,
E lá sei tudo o que agora não sou.

Onde estás, onde fiquei é quem lá
Se espera, sem vir porque já foi;
O que de mim para trás ficou,
E lá sei tudo o que agora não fui.

Abraço a braço, o traço de cada e todo firmamento,
Caminho vasto,
Imune o olhar ao sentimento
Do espaço que se gasta, a cada gesto.

Algo está a perfurar tudo o que existe,
Na calma que explodirá, na raiva irada,
Chamo algo em silêncio, pelo nada,
Chamo a chama que arde no despiste.

Pele, carne, osso que compõe,
A nossa fantasia de existir.
E a nossa maravilha está no ir,
Na valsa do bem que se dispõe.
A falsa realidade se nos opõe,
No sonho que está porvir.
Mas a verdade fala, sem sentir,
O que o olhar procura, ao mentir.

Tanta, tanta piada que lhe acho
À nossa representação quotidiana.
Os actos os prazeres que despacho,
Ao encontro da forma que nos ama.
As poses e posturas automáticas,
As vozes as figuras nada práticas.
Tudo pelo aprazimento de uma fama
Que o uso do tempo, o desuso, chama.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2006

Zero Seis

Era uma criança, só. Talvez a uns cinco metros, na quinta, estavam os seus avós, na lida do campo. A criança, de joelhos assentes na terra húmida, escrevia uma folha com carvão. Nomes e amor desenhados por uma criança, nova sim, mas já não era nenhum bebé! Acaba de escrever, rasga em quadradinhos muito iguais o papel onde havia escrito o nome de sua amada, e o amor por ela. Depois, abre um frasco de vidro, provavelmente que teria servido para armazenar comida, e colocou o papel, tornado em papéis, no frasco. Alguma ervas, e flores, e pétalas, para embelezar o seu frasco de amor. Também na terra, estavam pedras, belas. Aos seus olhos eram verdadeiras pedras preciosas, tão belas e preciosas como o seu amor e sua amada.
Neste ponto se encontra o maior dilema, que o irá acompanhar para sempre na sua vida. Contando em lançar o frasco ao rio, que corria no fundo da quinta, a criança fica a olhar as pedras... Se as colocar no frasco, este irá ao fundo... Ah, mas como são elas preciosas. E se não as colocar? Irá o frasco vaguear pelo rio, correndo o rio, e parará nalguma margem. Ah, e se ela encontra o frasco? Claro que todas estas questões são ridículas aos olhos de um adulto: as possibilidades do frasco parar nas mão dela e, ela, juntar todos os papeis que confessavam o amor do seu amado, eram muitíssimo remotas. Mas aos olhos desta criança, como de qualquer uma, essa hipótese teria de ser nula. Os olhos desta criança não permitiam a possibilidade de ela descobrir a sua paixão tão secreta e quente, bem como os olhos do amor... O amor é um segredo, quer ser mistério e sombra, que de tão indefinida, nos adormece envolvidos por tépidos sonhos. Então ele coloca as pedras, imaginando o dia em que o rio deixe de ser rio, ou então um mergulhador (Ah! a inocência do romance!) descubra o seu frasco de amor, e mostre ao mundo: “Paulo ama Vera”. E o diga, e o grite, e toda a gente abra a boca de admiração, pelo amor, simplesmente, acontecer. Mesmo já não existindo nem ele nem ela, o seu amor estaria ali, naquele frasco com ervas verdejantes e pedras preciosas, intacto ao tempo e à água esperando, qual genio de lâmpada mágica, ser liberto e entregue ao mundo. Ah! sim eram o sonhos desta criança, os sonhos tão inocentes e belos.
A criança coloca, uma a uma, polindo-as com a manga da sua camisola, as pequenas pedras preciosas. Seleccionadas, a dedo, havia até uma com forma de coração... A criança louva o sol que lhe brilha no cabelo dourado, a criança louva o sol e estende-lhe as palmas das mão. Pega no frasco. Leva o amor também. Ergue-se, em suas pequenas perninhas, e avança até ao rio. O seu avô chama-o, ele não vai. Aproxima-se dele, “vamos embora”. Arrasta-o, ele grita, ele berra, ele chora, arrastado pelo vovô... O frasco cai na terra, e ele é levado para casa dos avós que ficava no topo da quinta. “Hora do lanche” dizia o vovô enquanto o arrastava “e nem ajudas-te os avós!”. A criança ia arrastando o seu terror, quanto mais longe o frasco estava dele (e ele ia olhando para ele tremulamente) mais ele chorava e se sentia aterrorizado. O seu amor estava à sorte deste mundo, e ele não queria isso. Não, não deixem o meu amor nesta realidade. O amor quer-se no fundo misterioso e protector das águas. Só o rio ou o mar, se o decidir, o pode fazer voltar à margem terrena. O seu amor não fora ao fundo, o seu amor ficara na poluída e nojenta superfície dos rostos e dos gestos. O seu amor estava em risco.

sábado, 28 de janeiro de 2006

Não durmas, adormece,
Lembrando todo o dia que passaste
Na companhia de quem mais merece.

Depois, ao dormir, no silêncio, na calada,
Junta em ti todo o mundo que quiseste,
Mas não chegou na hora desejada.

Mas não deixes que abruptamente o sonho se interrompa,
Quebra o precipício entre o sonho e a realidade,
E abraça o dia com o sono de um dia que se apronta.

Não te digas aquilo que vais conhecer cada manhã,
Porque acabas a conhecer apenas a reprodutibilidade
Do artifício humano e da repetição, que mais que tudo, é vã.

E por vã vais tomando esta viagem,
Entre a vida que pelo imprevisível te é dada,
E que ao repetires o mesmo gesto te degrada,
Trocando o passageiro pela bagagem,
Do que pensas ter nesta passagem,
Mas que ao passar sabes ser nada.

Estou viciado em tudo
Um vicio mudo
Que se revela num passivo olhar
Para o respirar
Da natureza do mundo

Sinto-me humano
Terrivelmente profano
Amante do desejo e do amor
Do ensejo pecador
De eterno que eu amo

Quero subir aos teus traços
Balançar nos teus laços
Tu bela criatura estranha
Na vida que como manha
Me aprisiona no espaço

sábado, 7 de janeiro de 2006



Que nojo a feliz porta,
Que abre e fecha e chia.
Olho: ninguém se importa,
O triste fala alegria.

Senta o fumo, pede mais,
Chia e volta e relaxa o braço.
A vida móvel dos demais,
Acha o imóvel cansaço.

Mas eu te observo assim,
Eu, a melodiosa preguiça.
A vivência tua em mim,
São os bons dias criança.

Então vem quem se espera,
Calma está, calma à vista,
Fica em pé em vão em mera
Exposição; para quem assista.

Tu

Não sei qual é o teu nome
Mas cruzei-me com teu olhar
Notei que me estava a chamar
E que me julgava fome

Não fugi, penetrei no fundo
Arrepiei-me ao perceber
Eras tu, essa que sem querer
Me faz enfrentar o mundo

Passas-te e eras passado
Virei vagamente o pescoço
Tu de novo, em alvoroço
Abri meu coração alado

Sobre o espírito e a mente
Conversamos nesse chão
A vantagem de ser gigante
E a graça de ser anão

Ela

Os teus olhos são dois lemas
Avisos de mais um presságio
Os teus passos são um relógio
Compasso dos meus poemas

O teu cabelo é vivo e largo
Desenha o mar em movimento
De um ondear cíclico e lento
Águas onde eu me naufrago

O teu rosto posto a gosto
De bem e de boa beleza
Rosto fino e de princesa
Feito divino, secreto composto

Sonho teus lábios perfeitos
Colá-los aos meus num aperto
Se sonho e estou desperto
Só adormeço em teu leito

Dá-me um beijo que mereço
Todo teu ser de anjo altivo
Quando tu dormes eu vivo
E ao acordares eu renasço

Ervas Aromáticas

Quando algo morre em nós,
A luz apaga a alma transparente
E o pensamento deslizante
Desliza-nos pela quase voz

Ervas aromáticas no fundo
Passeando na água fervida
Cores e amores são a comida
Que alimenta o meu mundo

Não acredites no fecho
Espampanante da janela
A alma é a livre na cela
A bela miúda sem nexo

Ah quantas sílabas cronometradas
Quantas pobrezinhas amadas
Quantas rainhas naufragadas
E quantas princesas fechadas
E quantas conversas mantidas
Por entre olhares e vidas
Que mantêm a distância certa
Entre as vidas olhadas
E os olhares que se acerta

Querer conhecer profundamente
Nunca foi grande virtude
O especialista negro e rude
Cego da vista á amplitude
De todo o amor aparente
Que é o amor de gente
Não esse amor insalubre
Esse amor sem amante
Esse amor incessante
Que nem chega ao deslumbre

Amor é coisa pouca
Para quem a sede imensa
De descobrir o que pensa
Lhe humedece a voz rouca
Mas esse sentimento cansa
Esse que humedece a vista
Pálpebra fecha e coração despista
Troca o destino por uma dança
E nada mais já encaixa
A alma encharca e fecha
Parca de querer ter esperança

Que sentido teve
O tempo que passou
Um peso tão leve
Que o vento o levou

Que sentido tem
Olhar assim o céu
Sem saber bem
Se sou rei, se réu

Que sentido tem
Abraçar-te assim
Ser outro alguém
Não ser em mim

Que sentido tem
Ver-me em ti
Querendo olhar além
Daquilo que é aqui

Que sentido terá
Pensar no que não é
Esperar o que não virá
E esperar de pé

domingo, 1 de janeiro de 2006

Estamos aqui, agora.
Neste presente distante.
Um sussurro que é barulho,
Que de tão perto se sente.
O tempo é um embrulho,
Olhos de dentro estão fora.

Ouço um novo gemido
De um desejo consumado
Levanto os olhos, estremeço
Cada músculo se contrai, irado
Mas em mim o reconheço:
Instantâneo auge já ido.

Vamos amanhã viver?
Pois vamos, com certeza!
Ou mesmo sem ela,
Pois é indelicadeza,
Pensar que a janela,
Escurece sem anoitecer.

Enquanto eu souber ser
Enquanto eu... for
Quem não pareço ou aparento
Enquanto eu me esquecer do tempo

Enquanto eu souber que fui
Enquanto eu... for sendo
Aquilo que não pensei ou previ
Enquanto eu não me souber aqui

Enquanto eu quiser ser
Enquanto eu estiver
Onde não imaginar ou sonhar
Enquanto eu não pensar

*

Enquanto eu não pensar no que me rodeia
E em tudo aquilo que me atravessa,
E seguir os passos marcados na areia,
Saberei, sem saber, te encontrar sem pressa.

Enquanto eu caminhar e deixar marcadas,
Como cada memória da tua maresia,
Minhas pegadas na areia molhada,
Irei guardar recordações, sem fantasia...

Pelo tempo rasgamos o vento,
Enquanto a cíclica Mãe nos adormece
Com o seu embalar, cíclico e lento,
Num universo que em tudo permanece.

Ah, como me sinto observado
- E todos nós nos sentimos –
Por um tudo nada no telhado,
Com olhos invisíveis aos gemidos.

Tudo porque eles nos querem ver fortes
- Como eles.
Nas nossas mãos suam líquidos reles
Enquanto eles apostam a nossa sorte.

Eles querem ver o amor e o herói
Ou a virtude da honra e valentia.
Mas eu adormeço no teu leito, maresia,
No sonho desperdício que me dói.

prática sonho teoria © 2008 Template by Dicas Blogger.

TOPO