segunda-feira, 26 de junho de 2006

Morto

I

Não vou desperdiçar o agrado
Que tenho por certo na melodia
À extensão do certo e absoluto
Sem metade do esplendor do dia

Que interessa a palavra e a promessa
Sem a extensão do brilho do prazer
Vulcão sem erupção
Dançar sem música, olhar sem ver.

Não te vou dizer o que fazer
Nem te pedir que te aproximes
Vens se vieres, caso não venhas
Viverás por esses crimes

II

Ouço uns passos atrás de mim a supor
Pobre vadio, passo a passo, mais perto e sujo
Pede-me um cigarro, “claro!”, e vai com a dor
Que me deixa de pena e de nojo

Sem culpa me desculpo, mas que culpa
Posso eu ter do que não tens e do que vens.
Sinto-me em ti, e eu outro revivo à lupa
A tristeza e o alegre infortúnio que tu tens.

Dou mais um bafo no cigarro e atiro-o para o chão
Olho as luzes, a pedra, e algo de dor não sai
Estou outro, mais próximo. Altruísmo igual à tentação
à inveja à cobiça. Algo da máscara cai.

Imagino em mim outro eu, outra existência,
Revejo o passado e o presente
Tolda-me o olhar a causa e a consequência,
Sento-me exausto nas escadas da mente.

Que força maior há que o individual
Retaliando sem retaliar à voz da gente
Olhar do meio a totalidade social
Olhos de um diferente indiferente.

III

Nasce a tua voz, como nascente
Penetrando funda e grave a minha face
Poluída e inócua pela sombra inerente
À luz bifurcada que aquece.
Continuo, passo a passo
O luar, lá em cima, que nos observa
Com os olhos te trespasso
E o cheiro a tudo, e o nada a erva.

Grave. Parado. De repente um grito
Um suspiro aflito.

Renascendo do mais profundo que existe
Algo de palpável no teu destino
Aí! Aí! Na tua pele que brilha e ris-te
E o teu riso renego e obstino

Depois abro a boca e calo-me, paraliso
Fecho os olhos, viro costas, parto
Tu ficas embebida
Em ti
E eu sigo a vida
Morto.

Horas de declínio

Horas de declínio
Fazes por vezes o tempo por ti
Fazes por vezes a hora e esqueces o espaço.

Derretido pela dactilografia da minha fisionomia
Tento chega fundo, à alma e ao espírito;
Mas destes dois apenas concluo o seguinte:
Que a alma é o espaço onde tudo cabe, de mais ou de menos;
Que o espírito é o tempo que sempre passa e que sempre fica.
E eu, onde não caibo me meto
E eu onde nada fica eu não passo.

Ó gesto que ficas-te perdido onde não foste gesticulado
Qual é a verdade da tua consequência que não tomou tempo
Onde ficaste gravado sem ter existido?
Perdes-te a consciência na fugacidade de um momento.
O que de ti ficou agudo a pressionar o que já foi?
Aquele que ficou mudo e pelo tudo se dispõe.

vida

Nesta palavra tão solta de palavra.
Encontra-se.
Vida. Encontro. Despedida.

Nada tem significado.
Aportam. Esvai-se. Nada: é o que é.
Pressa ou rara reduz.
Alma. Espírito. Luz.

Instantes de sílabas.
Vagas estapafúrdias da gratidão.
Terra. Ar. Solidão.

sexta-feira, 16 de junho de 2006

Constatação

Se não posso ter lugar nessa mesa,
Ao menos todo o espaço!
Cada pedaço da parede e desse chão
É meu! Enquanto a chama está acesa
Eu, eu medonho e triste passo,
Mas cheiro a felicidade e a paixão.

Amante das paredes nuas,
Das ruas amareladas, e amor
Tanto pela vida como pelas sombras…
Erro como um fantasma pelas ruas,
Pela beira da beira do interior
Do que sobra do resto das sobras.

Pelas sombras vividas
Pelas sombras escondidas
Por trás de almas apodrecidas
Quem nega a verdade?
Quem rega a infertilidade
No chão dos fados,
Quem se entrega à totalidade
De olhos fechados?

(Sonhos sonhados
Sonhos completamente sonhados
Vivamente sonhados

Não rezo a deuses
Não falo comigo mesmo
Não tenho um eu

Não procuro nem felicidade
Nem amor
Nem paz
Nem alcançar nada que imagines

Sou sem saber o que é ser
Sou sem ser
Porque sei acordar
Mas vejo-me a adormecer.)

Procuro-me sóbrio, útil e inteligente,
No culto íntimo, lavrado a vertical.
Encontro-me vago, indelével, entre a gente,
Nem me divido em bem e mal.

Nem o meu rosto reconheço,
Apavoro com a minha presença;
Por isso tudo tenho o que mereço:
O tudo, o nada, e a sentença

Respirávelmente lato,
Sinto, sim, sinto!
Vivo, não, minto:
Constato!

quarta-feira, 7 de junho de 2006

Fomos os dois cinzas
Antes do momento em que aqui não estamos
Já não sinto a forma que pizas
Nem o perfume que criamos
Até a tua fala congelada
No intervalo do suspiro do fim
Na totalidade desta ferida fechada
Esta cicatriz de ti em mim

Esta cicatriz da partida da tua ausência
Esta doença curada da tua consciência

Restam sobras de restos
Sobram restos de sobras
Os teus olhares e gestos
São só sombras de sombras

Não são mais que sonhos
Estes ventos mudos
São olhares contra olhos
Perderam os escudos

Perderam as armas
Numa guerra sem terra
Neste mar de almas
São o espírito que erra.

domingo, 4 de junho de 2006

Tu, mais nada

O que é mais vasto:
O mar, ou o universo?
Ou o resto do gesto,
Da noite passada.
Cada voz, cada verso;
Um grito, um protesto,
És tu, tu, mais nada.

Buscando o tal mote,
O tal sentido do agora,
Mais fundo que a morte,
Mais leve que a hora.

Onde está o amor que eu tanto queria
O toque da sorte, e da dor que se esvaía?
A promessa da vez sem hora marcada
A peça onde tu e eu... onde está esse dia?

(a noite sorria)

Em ti, em mais nada.

Descalço,
ou pelo menos,
De cordões desapertados,
Caminho no encalço
Dos meus medos,
Nesta sombra dos
minutos expirados.

O que está mais distante:
A loucura ou a madrugada?
Ou a visão incessante,
Da tua imagem dançante.

Estás tu, tu, mais nada.

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