sábado, 28 de janeiro de 2006

Não durmas, adormece,
Lembrando todo o dia que passaste
Na companhia de quem mais merece.

Depois, ao dormir, no silêncio, na calada,
Junta em ti todo o mundo que quiseste,
Mas não chegou na hora desejada.

Mas não deixes que abruptamente o sonho se interrompa,
Quebra o precipício entre o sonho e a realidade,
E abraça o dia com o sono de um dia que se apronta.

Não te digas aquilo que vais conhecer cada manhã,
Porque acabas a conhecer apenas a reprodutibilidade
Do artifício humano e da repetição, que mais que tudo, é vã.

E por vã vais tomando esta viagem,
Entre a vida que pelo imprevisível te é dada,
E que ao repetires o mesmo gesto te degrada,
Trocando o passageiro pela bagagem,
Do que pensas ter nesta passagem,
Mas que ao passar sabes ser nada.

Estou viciado em tudo
Um vicio mudo
Que se revela num passivo olhar
Para o respirar
Da natureza do mundo

Sinto-me humano
Terrivelmente profano
Amante do desejo e do amor
Do ensejo pecador
De eterno que eu amo

Quero subir aos teus traços
Balançar nos teus laços
Tu bela criatura estranha
Na vida que como manha
Me aprisiona no espaço

sábado, 7 de janeiro de 2006



Que nojo a feliz porta,
Que abre e fecha e chia.
Olho: ninguém se importa,
O triste fala alegria.

Senta o fumo, pede mais,
Chia e volta e relaxa o braço.
A vida móvel dos demais,
Acha o imóvel cansaço.

Mas eu te observo assim,
Eu, a melodiosa preguiça.
A vivência tua em mim,
São os bons dias criança.

Então vem quem se espera,
Calma está, calma à vista,
Fica em pé em vão em mera
Exposição; para quem assista.

Tu

Não sei qual é o teu nome
Mas cruzei-me com teu olhar
Notei que me estava a chamar
E que me julgava fome

Não fugi, penetrei no fundo
Arrepiei-me ao perceber
Eras tu, essa que sem querer
Me faz enfrentar o mundo

Passas-te e eras passado
Virei vagamente o pescoço
Tu de novo, em alvoroço
Abri meu coração alado

Sobre o espírito e a mente
Conversamos nesse chão
A vantagem de ser gigante
E a graça de ser anão

Ela

Os teus olhos são dois lemas
Avisos de mais um presságio
Os teus passos são um relógio
Compasso dos meus poemas

O teu cabelo é vivo e largo
Desenha o mar em movimento
De um ondear cíclico e lento
Águas onde eu me naufrago

O teu rosto posto a gosto
De bem e de boa beleza
Rosto fino e de princesa
Feito divino, secreto composto

Sonho teus lábios perfeitos
Colá-los aos meus num aperto
Se sonho e estou desperto
Só adormeço em teu leito

Dá-me um beijo que mereço
Todo teu ser de anjo altivo
Quando tu dormes eu vivo
E ao acordares eu renasço

Ervas Aromáticas

Quando algo morre em nós,
A luz apaga a alma transparente
E o pensamento deslizante
Desliza-nos pela quase voz

Ervas aromáticas no fundo
Passeando na água fervida
Cores e amores são a comida
Que alimenta o meu mundo

Não acredites no fecho
Espampanante da janela
A alma é a livre na cela
A bela miúda sem nexo

Ah quantas sílabas cronometradas
Quantas pobrezinhas amadas
Quantas rainhas naufragadas
E quantas princesas fechadas
E quantas conversas mantidas
Por entre olhares e vidas
Que mantêm a distância certa
Entre as vidas olhadas
E os olhares que se acerta

Querer conhecer profundamente
Nunca foi grande virtude
O especialista negro e rude
Cego da vista á amplitude
De todo o amor aparente
Que é o amor de gente
Não esse amor insalubre
Esse amor sem amante
Esse amor incessante
Que nem chega ao deslumbre

Amor é coisa pouca
Para quem a sede imensa
De descobrir o que pensa
Lhe humedece a voz rouca
Mas esse sentimento cansa
Esse que humedece a vista
Pálpebra fecha e coração despista
Troca o destino por uma dança
E nada mais já encaixa
A alma encharca e fecha
Parca de querer ter esperança

Que sentido teve
O tempo que passou
Um peso tão leve
Que o vento o levou

Que sentido tem
Olhar assim o céu
Sem saber bem
Se sou rei, se réu

Que sentido tem
Abraçar-te assim
Ser outro alguém
Não ser em mim

Que sentido tem
Ver-me em ti
Querendo olhar além
Daquilo que é aqui

Que sentido terá
Pensar no que não é
Esperar o que não virá
E esperar de pé

domingo, 1 de janeiro de 2006

Estamos aqui, agora.
Neste presente distante.
Um sussurro que é barulho,
Que de tão perto se sente.
O tempo é um embrulho,
Olhos de dentro estão fora.

Ouço um novo gemido
De um desejo consumado
Levanto os olhos, estremeço
Cada músculo se contrai, irado
Mas em mim o reconheço:
Instantâneo auge já ido.

Vamos amanhã viver?
Pois vamos, com certeza!
Ou mesmo sem ela,
Pois é indelicadeza,
Pensar que a janela,
Escurece sem anoitecer.

Enquanto eu souber ser
Enquanto eu... for
Quem não pareço ou aparento
Enquanto eu me esquecer do tempo

Enquanto eu souber que fui
Enquanto eu... for sendo
Aquilo que não pensei ou previ
Enquanto eu não me souber aqui

Enquanto eu quiser ser
Enquanto eu estiver
Onde não imaginar ou sonhar
Enquanto eu não pensar

*

Enquanto eu não pensar no que me rodeia
E em tudo aquilo que me atravessa,
E seguir os passos marcados na areia,
Saberei, sem saber, te encontrar sem pressa.

Enquanto eu caminhar e deixar marcadas,
Como cada memória da tua maresia,
Minhas pegadas na areia molhada,
Irei guardar recordações, sem fantasia...

Pelo tempo rasgamos o vento,
Enquanto a cíclica Mãe nos adormece
Com o seu embalar, cíclico e lento,
Num universo que em tudo permanece.

Ah, como me sinto observado
- E todos nós nos sentimos –
Por um tudo nada no telhado,
Com olhos invisíveis aos gemidos.

Tudo porque eles nos querem ver fortes
- Como eles.
Nas nossas mãos suam líquidos reles
Enquanto eles apostam a nossa sorte.

Eles querem ver o amor e o herói
Ou a virtude da honra e valentia.
Mas eu adormeço no teu leito, maresia,
No sonho desperdício que me dói.

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