domingo, 28 de dezembro de 2008

Poema-gota

Estou triste
Pelo que não existe
O que não é
Nem consigo imaginar
Palavra-negação
Passeio desdobrável do tudo
Intensão inteira e repartida
Mas emparedada
Parto improvável da verdade
Rasgo de loucura e de bebedeira
Irromper do absurdo
(desonesto)
Palavra-improvável
Palavra-palavra
Invenção pura invenção de si mesma
Gota insolvente da verdade
Palavra-gota
Gotejar ruidoso… Imperfeito… Variável… Riscado.

Poema-silêncio

Eu nasci para vir dizer ao mundo que o que sinto é único
Eu vim da tua imagem parada
Neste poema-silêncio
Pedaço que cai para fora
Coisa que não é
Que não acontece
Que não existe
Que as pessoas não vêem quando abrem a janela

Quem me trouxe este choro que transbordo
Na minha pele como tinta invisível
Por este poema-lágrima
Gota a gota
Salgado e amargo
Quente e estranho
Rio de ti que deixei fundar seu leito

Eu vou pela margem
Vou pela ponte
Voo por cima
Poema-intocável
Da tua existência passada
Sou testemunho, muito mais,
Sou julgado pela tua fugaz presença
Neste poema.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Terrivelmente se inspira a vida em mim
Por estas pequenas páginas de papel clarividente
Informado pela sombra de luz que não vem
Por um som vago e indelével de um crepitar inteligente
Sou um viajante sem linhas
Percorro o que me percorre
Como uma busca obscura e sem movimento
Só mudança muito interior
O mundo é uma colaboração permanente com os nossos medos
E eu sou, como todos, a punção,
A morte e a vida entre os dedos
E escrevo, por isso escrevo
Para encher de vivas faces brancas
E esvaziar os bolgsos caso alguma nota me ficasse
Das noites em que compro tantos mundos

Incomoda o espírito cada vez que no meio do ruído surge a fonte de todo o existir como um fantasma fora do seu local próprio de existir e onde o ar parece rarear como um suspeito de si mesmo o fantasma ocorre
E espanta e ilumina
Não canta, não tem voz
(Perdeu-se
Mas ouvem-se ao longe, mais longe que os rumores, seus pensamentos e eu os escrevo, ou escrevia, pois agora tudo de mim foge como o tempo e só de mim para mim eu fico num encontro furtuito da verdade e do silêncio que a percebe (e a expressa) no seu entender absorvente
Impaciente) com uma luz na ponta do nariz
E fumo na boca
Ao odor quente e seco de um cigarro
Acorrem seus pensamentos de existir
Numa calma imperfeita e insensata.
Ah! Quão insensato, o meu amigo!

sábado, 20 de dezembro de 2008

E a face delimitada pelas paredes
E pelos sorrisos que a luz tinha
E tu permaneces inteira e fechada
Longe da verdade e do mundo

E nestes versos de suicídio
Existencialismo para além de nós
Fumo um cigarro e ouço
Todos os passos a serem dados

Não mais

Leva a máquina fotográfica para tirar fotografias
Mas para que queres tu tirar fotografias?
Para te remoeres insípido contra o tempo
Ajudando novo tempo a ser passado contra ele mesmo
Como um espelho em que já não te reflectes
Num passado que (como tudo) deixaste escapar?

Já a tua mãe dizia que não sabias guardar nada,
Nem um segredo. Talvez saibas guardar um segredo,
Porque os segredos nem são coisa nenhuma.
Não te sabes é guardar a ti, perdes-te com facilidade
Empurrado por memórias de um vapor que tu turva
Enquanto ferves o teu sangue onde cozinhas
A tua própria insatisfação com o que vês

Nunca gostas do que vês pois não?
Gostas sim do que imaginas.
Ah, nem do que imagino eu gosto.
Não vale a pena perderes tempo comigo.

Perdi-me.
Deixei de existir.
Pega num papel e escreve.
Não escreverei mais,
A inquietação do porvir
Nada mais me deve!
E os gritos imortais,
De punção sublime,
Presunção de crime!
Apanágios banais!
Inspiração leve.
E o espírito a rir,
Não mais!

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

É preciso estar completamente desprovido da vontade para se ser poeta.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Estou calmo, agora
Aquecendo os meus ossos junto do aquecedor eléctrico
(Já não se fazem fogueiras, como antigamente…)
Como torradas com manteiga
Bebo leite com mel
Estou calmo e sei que a vida é minha
Estou calmo e até sinto indiferença
Leve dor a que era ontem
Arrefeceu agora e só aqueço os meus ossos
Que afinal nunca doeram

Cai chuva
Mas é lá fora
Mas não deixa de cair chuva
Mesmo sendo lá fora
E estando eu dentro de uma casa
A chuva lá fora
Molha o meu olhar cá dentro
Secando a pouco e pouco o que me dói
O que eu sei que dói e eu sei porquê
O que eu sei que há cá dentro
Por nunca ter existido lá fora

Vivemos tão próximos de nós
Que nem nos apercebemos
De tão distantes que estamos da vida
Por viver tanto a vida
Não nos apercebemos de que não a vivemos
E no fim tudo o que dela recordamos
Foi o que afinal nunca vivemos
O que nunca quisemos mastigar
Tudo o que deixamos na borda do prato
Como um desperdício pelos outros

Senta-te e não te mexas
De que serve mexeres-te
Se tudo o que tu desejas é no fundo tudo o que consegues imaginar
Como podes tu desejar o que não imaginas?
Isso não é desejar, é mandar embora o aquecedor eléctrico
Para, no frio, desejares friamente um não-sei-quê que te aqueça
Senta-te no chão, estende-te ao comprido
Só o calor que está dentro de ti sentes confortável
(E no fundo não é nem calor nem frio)
Tudo o resto são queimaduras de fogos que não imaginas









Voz: Ana Rita Bastos

1 de Março de 2005

domingo, 24 de agosto de 2008

A RUA IX

Sem mentira, menti
Atirei ao lago dourado do fim
Guardando aqui
Neste instante
A memória galopante em mim

E ela esvoaça rasgando a pele
Assemelha-se demais à realidade
Para lhe chamar-mos sonho
E é um gigante medonho
Cheio de carisma e de verdade
Enquanto a vida segue e a repele
E a afasta ou na tentativa
Se arrasta, morta e viva

E tu continuas emoldurada
Dourada
A face presente e passada
O aclamado tudo-nada

Mas tudo perde o seu rosto
O seu cheiro
O seu tacto
E do momento eu nada aprendo
Fico só… intacto

O teu tudo ficou mudo
Deixo-te partir e eu aprendo
Tudo desaparece
Desconstrução de que sou cúmplice
E fico só, que a mim me tenho um no presente,
Que o passado tem distâncias mal medidas
E o futuro são memórias doutras vidas

Não era nada disto que eu queria ter escrito
Foi tão mais belo na minha cabeça
Desculpem-me

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Não. Nem aqui sou verdadeiro. Estranha forma de me criar, escondendo-me. Nada do que está escrito é verdadeiro, é essa a verdade. E não é por não se tocar a mão ou não se olhar no fundo dos olhos, ou por haver sempre uma distância entre o que acontece cá dentro e o que é escrito pela caneta não ser tão rápida como o pensamento ou não ter a ínfima parte da tinta que tem o sentimento. Não! Nada disso. Nós somos mentira.
Por mais voltas que dê acabo sempre por não atingir a verdade. Mas eu vou ousar tentar! A paixão, conjunto de circunstâncias, desde o mínimo movimento do nosso dedo mindinho às duas horas antes de ela aparecer, à reacção química que ocorre no cerébro à casualidade da caneta cair ao chão com o nosso nervosismo. Não é mais do que o que é: nada. Circunstância. Mera acção num espaço e num tempo. Nada mais. Não há diferença entre uma paixão e um carregamento de palha ir caindo à medida que a carroça avança.
Já o sentido eu atribuímos às coisas é nulo e não muda o rumo ou os factos da realidade. Muda a forma como os vemos e uma ou outra reacção. Mas nada deixa de existir na sua forma mais pura.

Algures em 2007

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Poema Semicerrado II

Vida. indisposição.
Imagem de marca,
Física imaginação
Que farta.

Estás com problemas contigo mesmo.
Hedonismo.
Alienação.
«Puxo o autoclismo(…)
Baixo a tampa da sanita»* 
Não tenho a solução

E eu, autor que cita
Nem assim me distancio.
Enquanto escrevo choro e rio
Da vida. indisposição que fica.


*referência com excerto da acção pp. 116 e 117 na 3ª Edição da tradução portuguesa de Menos Que Zero de Bret Easton Ellis pela editora Teorema.

Poema semicerrado I

Que dia é hoje?
Que horas são?
As promessas, onde estão?
Porque é que a minha alma foge,
Abandona o corpo na berma?
Sinto o vento mais frio.
Que dia é hoje?
Semicerro os olhos
Espelho da acção poética
E a vida, incompreensível, patética,
Está para além do vidro
Semitransparente.
Fugi, como a minha alma
Se ausenta do corpo, eu
Do corpo me ausentei
E fiz da mente poesia:
Cauda semântica da  palavra-chave
Que nada abre...
Espermatozóide infecundo da acção
Encurralado entre dois espelhos
Frente a frente.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

A Cabeça da Ana

Não foi mais profundo.
Não é nítida esta frase!
São perspectivas
Mais ou menos
Percebes?

Carregamos a cabeça
Como se não fosse parte do nosso corpo,
Quando não a utilizamos.
Percebes?

Mais ou menos.
São perspectivas.
Nunca é nítida uma frase
Não foi mais fundo que isto.

E quando utilizamos a cabeça
Como se ela fizesse parte do nosso corpo,
Como um braço que se estende mais comprido
Sem nunca tocar em nenhum rosto.

Assim seria o fim

Não tivesse perguntado e saberia
Certo como a minha existência
Anula todo o sabor da experiência
Perfeita na sinuosa filosofia

Antes amasse eu as tuas mamas

Procuro na perfeita redondeza omitida
A verdade da vida

Professo o teu ventre e confesso
A palavra nunca lida

Apareces destino ou já me encontro
Onde cavaste o aconchego de mim.
Procuro, ofegante e absorto
O cálculo certo para cada fim.

Assim seria o fim se não houvesse
Outra dimensão em cada olhar
Se nada neste mundo mais trouxesse
Que outra onda se espera do mar?

E as palavras são só palavras nunca olhares
E as ondas são só ares de outros mares
Tu és só a sonda de um mesmo mundo
És o respirar absorvido no meu fundo.

A virtude de não nascer

Apresentado fui à santa ausência da desgraça
Corri atrás do que esperava ter
Perdi atrás de mim a fé e a criança
São visões que nunca ousaria descrever
Não fosse a ironia do presente estar parada
E o resto ser uma vaga e indiferente caminhada
Adorava ter o teu rosto por nascer
Agora esperei de mais para nada

Não olhes para mim que eu não mereço
Ter o teu olhar em mim como um adereço
E a tua voz eu sinto que não esqueço
É o timbre da minha purificação

E adormeço.

Adormece também, coração
Todas as rodas círculos não são
E as voltas estão soltas neste chão.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

A Rua VII

Vem
Declara que a minha verdade
Não o é
E que a minha existência tem pedaços
Que não consegues captar por completo

Mais do óbvio
O teu sorriso era ouro
Agora, tu, sorriso-óbito
Preparas o meu pequeno almoço
Louro

Preferiria ter perdido a minha sanidade
A dar acção a sequências intermináveis
Mas nascendo não pude evitar um destino
E continuo achar uma porcaria estar sentado
Sem ninguém ao lado que diga umas piadas
Que ria um pouco
Que seja louco
Para nos sentirmos mais sãos

Não me podes pedir mais que a minha mão
Mas eu quero mais que a tua mão
Essa mão outra que não essa mão que tu outra me estendes
Tu, aqui, assim, nesse modo que não “ela”
Presente como uma imponente estátua pequeníssima
Instantânea reacção química que passa e fica
Canal de outro canal que se revela eficaz
Na perceção de toda uma realidade
Estupidez é não te beijar
Mas agora tu que não a outra que ainda agora se erigia
Tu que ali estavas noutro lugar que não nenhum que eu saiba
Ainda estares.
Beija-me foi tudo quanto eu não disse e desejei
Ter perdido a minha sanidade a estar sentado
Lado a lado com um destino que não comprei

Nunca tive jeito para ir às compras
Sempre me fascinaram muito mais os desperdícios
Quero sair deste estabelecimento e ir tomar um café
Com a empregada
E explicar-lhe como é complicado
Falar com três ou quatro pessoas de uma vez
Tratando todas por tu
Sem lhes retirar a importância literária
De se ser tratado por tu
Como uma carta cúbica com quatro lados
Transparentes até às letras!

domingo, 18 de maio de 2008

Alguém entrou pela porta
E eu não vi quem era.
Perdi de mim algum minuto
Se a distracção foi inútil?
Assim me o diz a imaginação,
Ou será um espécie de esperança
Que se perdeu nas malhas do tempo?

quarta-feira, 9 de abril de 2008


Pois... por ter vivido as entranhas
E por ter experimentado as manhas
Das estranhas ruas que desenhas
Posso preferir as façanhas
Ao óculo da lucidez que ganhas
E queimas o tempo qual lenhas
Sentindo calor nas brasas
Mas sem fazer mais que ver rasas
A experimentação de um coração
que arranha
Mas perdendo também o palpite
Que apalpa o tempo sem que debite
A negação de a uma tentação
medonha

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Racionais os passos que damos

Como podem ser racionais coisas que damos
Ainda para mais com os pés?
Se sempre que somos não estamos
E sempre que vens, não és.

Tudo tem significado

Como pode tudo ter significado
Se tudo o que temos não é nosso?
O que é teu é a carne e o osso
Tudo o que pensamos é roubado.

Sorri, que a vida é curta

Como pode ser curta se na sorte
O tempo nem sequer existe?
Tu olhas as minhas mãos e riste
E elas são grandes em morte

Sorri, que a morte é grande

E então coras e oras e choras
E o teu caixão ainda está aberto
Nas horas de paixão, desperto
No que da minha voz decoras

sábado, 5 de abril de 2008

Aqui

Parti à descoberta do que um dia vi,
Segui, pela estrada,
Como se de uma procura se tratasse.
Vivi para que um outro eu, eu encontrasse,
E me encontrei naquilo que não estava 
Aqui.

Conspirei com mim mesmo a descoberta,
Fechei dentro de mim o que me deram,
Sem dar por mim todos os males entraram
Sem nunca eu ter deixado a porta aberta.

Dancei onde não estive e não ouvi
Tudo aquilo que tinhas para dizer
Decorei os teus lábios, e os teus olhos, e o meu prazer
E o que esperava serem sonhos de homens sábios
Eram flores deixadas para ti

Aqui

Amaria o momento se ao amar
Conseguisse decorar sem o saber
Mas ao sentir tudo vem a desabar
Na casta incredulidade do Ser

Libertei o meu pensamento
Do poder que tinha no que anseio
Saí do quarto do alheamento
Para vir adormecer no quarto alheio

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Só o teu olhar pode dizer o quanto eu te amo.
Estou perdido e já não faz sentido a meta,
Enquanto eu ouvia tudo o que ela dizia:
Eu sou poesia, não sou poeta!

Só as tuas mãos sabem o quanto odeio o que eu não sou.
Quando sou sentimental abomino o sentimento,
Decido ser racional e engano-me no raciocínio.
Eu amo o declínio! E amei o momento…

Os teus cabelos brilharam e eu não disse
Aquilo que eu realmente quis dizer.
Doer nunca doeu! Vai doer quando morrer,
E tudo o que eu for eu não vou ser.

Eu juro-te que gostava de procurar
Se houvesse arquivo
Talvez fosse a distância
Mas isso não tem relevância
Quem sente não mente
Quem mente, está vivo.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Eu sei lá! É estranho falar do que não sabemos o que é, mas que maior definição há de algo do que o termos vivido, experimentado, olhado de perto? Há mais lucidez olhando de longe, há mais razão nas palavras, de perto temos apenas o sentimento, o instinto mais aguçado, a espontaneidade maravilhosa do toque que gira a roda do destino, mas não sabemos o que é. Não sabemos o nome, sentimos-lhe o cheiro, também não precisamos de chamar algo que está tão perto. Não conhecemos as alturas, medimos palmo a palmo duas vezes ou três a mesma distância. Não sabemos a cor mas gabamos-lhe os tons e as sombras são coisas que não existem.
É isto que é viver de perto algo. Isto é algo que todos sabemos o que é... O que são, são múltiplas formas, múltiplos espaços e conversas.

terça-feira, 11 de março de 2008

Marés

Tudo se reflecte na janela
Tudo se espelha quando esta está aberta
Sai de mim um pedaço que revela
Toda a montra e eu abraço todo o passo que desperta
Na dura realidade já ouvida
Que deixa ouvir e não sentida
A não ser que os nossos ossos sejam algo mais que a vida
E a nossa vida seja vasta e garrida
E agarramos nos momentos nosso rosto
E afagamos nosso ego neste gesto
De vulgar cerimónia infalível
Um olá lançado ao lago irrepetível
E na história se repetem outras histórias
E as memórias são as horas contestadas
Pelo presente que se arrasta pelas glórias
De outras armas e batalhas já vencidas
Nestas ruas ao futuro preferidas
Escoam em vão as nossas feridas
Que é a realidade sem a dor ou a paixão
E a verdade que não se deixe cair ao chão?
Eu preciso desse vulgar paraíso
Para saber contar o ar do teu sorriso
Essa palavra que não vem e está deitada
Sobre a laje de uma vaga caminhada
E tu assistes como dizes? abismada
Pela rua pela aragem pela estrada
E sorriste uma vez já mais atrás
Agora a hora é vaga e fugaz
E o tempo é pensamento que desfaz
A característica rebelde de um passado
Que foi e já não é compassado

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Estrito e Inscrito

Acabo de ordenar os cadernos na estante, por uma ordem perfeita. Olho-a, e vejo a harmonia. Olho a estante como se olhasse para um circuito complexo de perfeição, um segredo, uma chave para uma visão que apenas aos meus olhos é perfeita. Apago a luz e imagino a estante, os livros, a sua ordem. Aos olhos de qualquer outro, não teria essa ideia de harmonia, de facto, os livros não estavam ordenados por autor, nem pela cor da capa, nem pelo tamanho. Estão ordenados pelo efeito que em mim tiveram. Não, não. Não estão ordenados pelo critério de sentimento que evocam, mas pelo tempo que evocaram na minha alma. Vejo neles a minha biografia cronológica, como se fossem a minha realidade, os meus antecedentes, as minhas próprias histórias, a minha bíblia sagrada.
Sou arrebatado por um sentimento de terror espontâneo, imprevisível até então. As estantes desmoronaram-se como um castelo de areia devorado pelo mar, deixando apenas espuma e bruma no húmido solo, que o sol seca. Na estante não me tenho a mim, mas o eu que fui. Vejo-me no passado, sim, mas agora, estou sem chão, sem presente, sem narração, flutuo na poeira deixada na estrada de mim. Não tenho futuro na minha mão, mas na mão daquela estante que pensava ser eu que guiava! Não posso fugir dela, eu preciso dela, porque sem ela nunca existi.
Pego num livro, lendo-o, vivendo-o, sou eu de novo. É o ciclo que me prende, no fundo, nos prende a todos nós. E ninguém vai perceber a harmonia, a perfeição, apesar do horror e suicídio que os livros da nossa estante possam conter. Porque só nós a compreende-mos. Temos de lhe ser fiel, à estante dos livros da nossa vida.
Acendo a luz de novo. Vejo a tua fotografia sem retrato, és o mistério que mais bem conheço, és o mistério que mais quero, como mistério. Ignorante do inteligente que pretende conhecer o mistério! Ah!, que erro maior pode cometer uma pessoa na vida, do que o não dar valor ao que desconhece. Será que ninguém se apercebe? O amor, sim, esse mistério, é indesvendável e só é amor, porque ninguém o conhece! No dia em que o homem compreender o porquê do amor, quando o procriar é o único que precisamos para a continuação da espécie, vamos deixar de amar. Vamos começar a confundir (ainda mais) as coisas, vamos ver o amor como (mais) um mecanismo a que estamos sujeitos (como um casamento arranjado) em que quando se entra nele, o objectivo é manter e esticar o máximo até à separação (desesperadamente) humana (e naturalmente natural). 

(algures há uns 3+ anos)

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Tens a tua vida à tua frente
E tu limitas-te a olhar para ela assim
E dizer-lhe "minha filha, estás tramada.
Eu não te posso dar nada.
Tu é suposto saberes o que é melhor para mim."

E ela fica a olhar para mim
Com aquela carinha de sonsa
Mas eu tenho de a aturar porque sem ela
Eu não podia andar, nem respirar, nem ouvir
E há tantas vozes ao fundo
Que eu quero ouvir, por isso vivo.

"Minha filha, olha que eu estou a falar contigo,
Não vou ser eu quem te vai sustentar nesses delírios
De te guardares de mim como se fosses um presente de natal
Que eu só devia abrir amanhã. Eu vou tirar-te o laçarote
- Que por acaso é bem piroso - e ver o que tu tens aí
É para mim, claro que é meu, não te vou deixar guardá-lo
Como um mistério ausente que o tempo revela"

Apetece-me chamar-lhe nomes, às vezes.
Estou farto do seu silêncio
E do seu rosto de juíza final
De quem nos atribui a honra e a coragem
E eu só queria deixar-me cair na contradição
De a viver toda feliz e pelas razões erradas

Por isso eu despeço-me do bom senso
Da sua moralidade acutilante
Dos seus conceitos de lealdade e precaução
Aqui vai, sou eu assim e ainda respiro
Sem toda a tua ubiquidade e vastidão
Sou eu erguido em todo o meu Ser
Maior que o tempo e que o perder
Eterno na minha camisa de vestir por casa
De cigarro na mão e sem pensar na vida
A pensar no que me interessa pensar

No dia de amanhã

E depois desse

Na claridade das portas fechadas
E no escuro infinito das janelas abertas
E às vezes dizer Olá às pessoas para não estar sozinho
E os outros saberem.

"Minha querida,
Isto és tu também, Vida,
Mas assim não me interrompes a meio
Está calada, caladinha.
Não me fales à noite na cama a dizer que estou errado
E que o que eu faço contigo não se faz.
Não te esqueças que quando eu morrer
Tu também vai desaparecer."

sábado, 5 de janeiro de 2008

O povo saiu à rua

e acendeu um cigarro.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Monólogo de Marcos Riverio com uma mulher

Não faria sexo consigo, já lhe disse, de modo nenhum faria sexo consigo. Não é que lhe queira mal, nem tampouco me enoja, não chega a tanto, será mais a indiferença estática que me faz dizer que não faria sexo consigo. Não vá embora, não quis intimidá-la, mas o que me está a fazer crer é que quer fazer sexo comigo, e que, como lhe digo, é algo a que não estou disposto neste momento… Não é que pense em qualquer outro momento em que pudesse fazer sexo consigo, para mais, quando se quer realmente fazer sexo com alguém, o que se imagina é sempre o tempo e o espaço menos próximo e, por vezes, adequado, para fazê-lo… e consigo não quero mais que esta pequena conversa que estamos a ter. Sim, eu sei que não pediu, mas isso não são coisas que se peçam. Não, não é a minha opinião, não são coisas que se peçam, claro que pode ser pedido, e não é difícil formular os pedidos, mas não esperaria de si que fosse daquelas pessoas que formulam esses pedidos. Não, vergonha não é a palavra comum que se usa por aí cada vez que ficamos com a cara vermelha sem beber, é a vergonha como um conjunto de actos que tomamos para fazer valer os nossos desejos, e é um belíssimo conceito para se aplicar àquilo que nós queremos. Não, é concerteza um elogio, qual é o espanto, não compreendo, não quero fazer amor consigo mas quero elogiá-la e dizer-lhe que está uma belíssima noite. Não preciso fazer amor consigo, tenho outras com quem quero ter sexo, mais que consigo, não querendo dizer que eu esteja a escalonar e seleccionar as pessoas, só não acho que devamos fazer sexo, como a menina acha. Vê, aí está a sua reacção, está envergonhada porque insistiu em algo que não deveria insistir. Talvez devesse insistir, porque sabe que não acedo ao seu desejo, insistir seria idêntica à satisfação que teria a fazer sexo comigo, pense nisso. A dialética não existe só nos textos, também faz parte do sexo, suspeito mesmo que nasça do sexo, coincidência engraçada pois nós mesmos nascemos graças ao sexo, talvez tudo quando exista venha do sexo de uma forma ou de outra, mas isso seria assumir que nós, humanos, somos o centro do mundo. E não somos, o sexo é que pode ser o centro do mundo. E a virtude está no centro, ou será no meio? O meio pode não ser o centro, quer dizer, pode ser o centro e o meio ao mesmo tempo, mas será sempre centro e meio ao mesmo tempo todo o sempre? Algo estar no meio implica que haja algo à sua volta que não seja a mesma coisa que está no meio, há algo divisível do meio que não é mesmo que o que está no meio. Já o centro pode ser o mesmo que o que o envolve e não está no meio. O centro de uma bola é, sem dúvida, o centro, mas o que está à sua volta não é, nem podia ser, outra coisa que não a bola. Podemos dizer: aquela bola está no meio daquelas folhas. Não podemos dizer: aquela bola está no centro daquelas folhas. Ou seja: o meio implica uma distinção mínima do que o torna meio e periferia; o centro implica uma inclusão máxima do que é central e o que é periférico ao seu centro. Acho que isto serve muito bem de explicação quando digo que o sexo é o centro do mundo, mas pode não ser a virtude, porque não é o meio, é o centro do mundo que incorporamos como mundo em nós. Mas não é o meio de nada, não irradia para além do desconhecido e do futuro. Isso, talvez, seja o amor, e olhe que talvez implica que desconheça. É uma pista. Além do mais, se fizesse sexo consigo saberia, certamente, que não sinto amor por si. Agora, se a amasse, estaria neste momento em cima de si, não estariamos aqui com estas conversas visto que já a conheço faz hoje dois anos e não sei quantos meses. Já devia saber que eu tenho coisas destas e não devia fazer essa cara, que agora já não é de vergonha, mas também não é de espanto, é de… Não fique assim, como se perdesse o assunto, fale comigo sobre outras coisas.

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Deixem as borboletas voar sozinhas
É inverno mas tanto faz
É o pensamento que dita a temperatura
E eu não te quero ver em todas as linhas
As borboletas são só uma triste e dura
Ilusão para te afastar do que me traz
A tua inteira ausência eu-solidão

E se eu não te conseguir ver nas borboletas
Que farei de todas estas linhas de razão
Para te afastar desses profetas
Quando chegar o verão?

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