terça-feira, 7 de fevereiro de 2006

Zero Seis

Era uma criança, só. Talvez a uns cinco metros, na quinta, estavam os seus avós, na lida do campo. A criança, de joelhos assentes na terra húmida, escrevia uma folha com carvão. Nomes e amor desenhados por uma criança, nova sim, mas já não era nenhum bebé! Acaba de escrever, rasga em quadradinhos muito iguais o papel onde havia escrito o nome de sua amada, e o amor por ela. Depois, abre um frasco de vidro, provavelmente que teria servido para armazenar comida, e colocou o papel, tornado em papéis, no frasco. Alguma ervas, e flores, e pétalas, para embelezar o seu frasco de amor. Também na terra, estavam pedras, belas. Aos seus olhos eram verdadeiras pedras preciosas, tão belas e preciosas como o seu amor e sua amada.
Neste ponto se encontra o maior dilema, que o irá acompanhar para sempre na sua vida. Contando em lançar o frasco ao rio, que corria no fundo da quinta, a criança fica a olhar as pedras... Se as colocar no frasco, este irá ao fundo... Ah, mas como são elas preciosas. E se não as colocar? Irá o frasco vaguear pelo rio, correndo o rio, e parará nalguma margem. Ah, e se ela encontra o frasco? Claro que todas estas questões são ridículas aos olhos de um adulto: as possibilidades do frasco parar nas mão dela e, ela, juntar todos os papeis que confessavam o amor do seu amado, eram muitíssimo remotas. Mas aos olhos desta criança, como de qualquer uma, essa hipótese teria de ser nula. Os olhos desta criança não permitiam a possibilidade de ela descobrir a sua paixão tão secreta e quente, bem como os olhos do amor... O amor é um segredo, quer ser mistério e sombra, que de tão indefinida, nos adormece envolvidos por tépidos sonhos. Então ele coloca as pedras, imaginando o dia em que o rio deixe de ser rio, ou então um mergulhador (Ah! a inocência do romance!) descubra o seu frasco de amor, e mostre ao mundo: “Paulo ama Vera”. E o diga, e o grite, e toda a gente abra a boca de admiração, pelo amor, simplesmente, acontecer. Mesmo já não existindo nem ele nem ela, o seu amor estaria ali, naquele frasco com ervas verdejantes e pedras preciosas, intacto ao tempo e à água esperando, qual genio de lâmpada mágica, ser liberto e entregue ao mundo. Ah! sim eram o sonhos desta criança, os sonhos tão inocentes e belos.
A criança coloca, uma a uma, polindo-as com a manga da sua camisola, as pequenas pedras preciosas. Seleccionadas, a dedo, havia até uma com forma de coração... A criança louva o sol que lhe brilha no cabelo dourado, a criança louva o sol e estende-lhe as palmas das mão. Pega no frasco. Leva o amor também. Ergue-se, em suas pequenas perninhas, e avança até ao rio. O seu avô chama-o, ele não vai. Aproxima-se dele, “vamos embora”. Arrasta-o, ele grita, ele berra, ele chora, arrastado pelo vovô... O frasco cai na terra, e ele é levado para casa dos avós que ficava no topo da quinta. “Hora do lanche” dizia o vovô enquanto o arrastava “e nem ajudas-te os avós!”. A criança ia arrastando o seu terror, quanto mais longe o frasco estava dele (e ele ia olhando para ele tremulamente) mais ele chorava e se sentia aterrorizado. O seu amor estava à sorte deste mundo, e ele não queria isso. Não, não deixem o meu amor nesta realidade. O amor quer-se no fundo misterioso e protector das águas. Só o rio ou o mar, se o decidir, o pode fazer voltar à margem terrena. O seu amor não fora ao fundo, o seu amor ficara na poluída e nojenta superfície dos rostos e dos gestos. O seu amor estava em risco.

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