sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Estrito e Inscrito

Acabo de ordenar os cadernos na estante, por uma ordem perfeita. Olho-a, e vejo a harmonia. Olho a estante como se olhasse para um circuito complexo de perfeição, um segredo, uma chave para uma visão que apenas aos meus olhos é perfeita. Apago a luz e imagino a estante, os livros, a sua ordem. Aos olhos de qualquer outro, não teria essa ideia de harmonia, de facto, os livros não estavam ordenados por autor, nem pela cor da capa, nem pelo tamanho. Estão ordenados pelo efeito que em mim tiveram. Não, não. Não estão ordenados pelo critério de sentimento que evocam, mas pelo tempo que evocaram na minha alma. Vejo neles a minha biografia cronológica, como se fossem a minha realidade, os meus antecedentes, as minhas próprias histórias, a minha bíblia sagrada.
Sou arrebatado por um sentimento de terror espontâneo, imprevisível até então. As estantes desmoronaram-se como um castelo de areia devorado pelo mar, deixando apenas espuma e bruma no húmido solo, que o sol seca. Na estante não me tenho a mim, mas o eu que fui. Vejo-me no passado, sim, mas agora, estou sem chão, sem presente, sem narração, flutuo na poeira deixada na estrada de mim. Não tenho futuro na minha mão, mas na mão daquela estante que pensava ser eu que guiava! Não posso fugir dela, eu preciso dela, porque sem ela nunca existi.
Pego num livro, lendo-o, vivendo-o, sou eu de novo. É o ciclo que me prende, no fundo, nos prende a todos nós. E ninguém vai perceber a harmonia, a perfeição, apesar do horror e suicídio que os livros da nossa estante possam conter. Porque só nós a compreende-mos. Temos de lhe ser fiel, à estante dos livros da nossa vida.
Acendo a luz de novo. Vejo a tua fotografia sem retrato, és o mistério que mais bem conheço, és o mistério que mais quero, como mistério. Ignorante do inteligente que pretende conhecer o mistério! Ah!, que erro maior pode cometer uma pessoa na vida, do que o não dar valor ao que desconhece. Será que ninguém se apercebe? O amor, sim, esse mistério, é indesvendável e só é amor, porque ninguém o conhece! No dia em que o homem compreender o porquê do amor, quando o procriar é o único que precisamos para a continuação da espécie, vamos deixar de amar. Vamos começar a confundir (ainda mais) as coisas, vamos ver o amor como (mais) um mecanismo a que estamos sujeitos (como um casamento arranjado) em que quando se entra nele, o objectivo é manter e esticar o máximo até à separação (desesperadamente) humana (e naturalmente natural). 

(algures há uns 3+ anos)

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Tens a tua vida à tua frente
E tu limitas-te a olhar para ela assim
E dizer-lhe "minha filha, estás tramada.
Eu não te posso dar nada.
Tu é suposto saberes o que é melhor para mim."

E ela fica a olhar para mim
Com aquela carinha de sonsa
Mas eu tenho de a aturar porque sem ela
Eu não podia andar, nem respirar, nem ouvir
E há tantas vozes ao fundo
Que eu quero ouvir, por isso vivo.

"Minha filha, olha que eu estou a falar contigo,
Não vou ser eu quem te vai sustentar nesses delírios
De te guardares de mim como se fosses um presente de natal
Que eu só devia abrir amanhã. Eu vou tirar-te o laçarote
- Que por acaso é bem piroso - e ver o que tu tens aí
É para mim, claro que é meu, não te vou deixar guardá-lo
Como um mistério ausente que o tempo revela"

Apetece-me chamar-lhe nomes, às vezes.
Estou farto do seu silêncio
E do seu rosto de juíza final
De quem nos atribui a honra e a coragem
E eu só queria deixar-me cair na contradição
De a viver toda feliz e pelas razões erradas

Por isso eu despeço-me do bom senso
Da sua moralidade acutilante
Dos seus conceitos de lealdade e precaução
Aqui vai, sou eu assim e ainda respiro
Sem toda a tua ubiquidade e vastidão
Sou eu erguido em todo o meu Ser
Maior que o tempo e que o perder
Eterno na minha camisa de vestir por casa
De cigarro na mão e sem pensar na vida
A pensar no que me interessa pensar

No dia de amanhã

E depois desse

Na claridade das portas fechadas
E no escuro infinito das janelas abertas
E às vezes dizer Olá às pessoas para não estar sozinho
E os outros saberem.

"Minha querida,
Isto és tu também, Vida,
Mas assim não me interrompes a meio
Está calada, caladinha.
Não me fales à noite na cama a dizer que estou errado
E que o que eu faço contigo não se faz.
Não te esqueças que quando eu morrer
Tu também vai desaparecer."

sábado, 5 de janeiro de 2008

O povo saiu à rua

e acendeu um cigarro.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Monólogo de Marcos Riverio com uma mulher

Não faria sexo consigo, já lhe disse, de modo nenhum faria sexo consigo. Não é que lhe queira mal, nem tampouco me enoja, não chega a tanto, será mais a indiferença estática que me faz dizer que não faria sexo consigo. Não vá embora, não quis intimidá-la, mas o que me está a fazer crer é que quer fazer sexo comigo, e que, como lhe digo, é algo a que não estou disposto neste momento… Não é que pense em qualquer outro momento em que pudesse fazer sexo consigo, para mais, quando se quer realmente fazer sexo com alguém, o que se imagina é sempre o tempo e o espaço menos próximo e, por vezes, adequado, para fazê-lo… e consigo não quero mais que esta pequena conversa que estamos a ter. Sim, eu sei que não pediu, mas isso não são coisas que se peçam. Não, não é a minha opinião, não são coisas que se peçam, claro que pode ser pedido, e não é difícil formular os pedidos, mas não esperaria de si que fosse daquelas pessoas que formulam esses pedidos. Não, vergonha não é a palavra comum que se usa por aí cada vez que ficamos com a cara vermelha sem beber, é a vergonha como um conjunto de actos que tomamos para fazer valer os nossos desejos, e é um belíssimo conceito para se aplicar àquilo que nós queremos. Não, é concerteza um elogio, qual é o espanto, não compreendo, não quero fazer amor consigo mas quero elogiá-la e dizer-lhe que está uma belíssima noite. Não preciso fazer amor consigo, tenho outras com quem quero ter sexo, mais que consigo, não querendo dizer que eu esteja a escalonar e seleccionar as pessoas, só não acho que devamos fazer sexo, como a menina acha. Vê, aí está a sua reacção, está envergonhada porque insistiu em algo que não deveria insistir. Talvez devesse insistir, porque sabe que não acedo ao seu desejo, insistir seria idêntica à satisfação que teria a fazer sexo comigo, pense nisso. A dialética não existe só nos textos, também faz parte do sexo, suspeito mesmo que nasça do sexo, coincidência engraçada pois nós mesmos nascemos graças ao sexo, talvez tudo quando exista venha do sexo de uma forma ou de outra, mas isso seria assumir que nós, humanos, somos o centro do mundo. E não somos, o sexo é que pode ser o centro do mundo. E a virtude está no centro, ou será no meio? O meio pode não ser o centro, quer dizer, pode ser o centro e o meio ao mesmo tempo, mas será sempre centro e meio ao mesmo tempo todo o sempre? Algo estar no meio implica que haja algo à sua volta que não seja a mesma coisa que está no meio, há algo divisível do meio que não é mesmo que o que está no meio. Já o centro pode ser o mesmo que o que o envolve e não está no meio. O centro de uma bola é, sem dúvida, o centro, mas o que está à sua volta não é, nem podia ser, outra coisa que não a bola. Podemos dizer: aquela bola está no meio daquelas folhas. Não podemos dizer: aquela bola está no centro daquelas folhas. Ou seja: o meio implica uma distinção mínima do que o torna meio e periferia; o centro implica uma inclusão máxima do que é central e o que é periférico ao seu centro. Acho que isto serve muito bem de explicação quando digo que o sexo é o centro do mundo, mas pode não ser a virtude, porque não é o meio, é o centro do mundo que incorporamos como mundo em nós. Mas não é o meio de nada, não irradia para além do desconhecido e do futuro. Isso, talvez, seja o amor, e olhe que talvez implica que desconheça. É uma pista. Além do mais, se fizesse sexo consigo saberia, certamente, que não sinto amor por si. Agora, se a amasse, estaria neste momento em cima de si, não estariamos aqui com estas conversas visto que já a conheço faz hoje dois anos e não sei quantos meses. Já devia saber que eu tenho coisas destas e não devia fazer essa cara, que agora já não é de vergonha, mas também não é de espanto, é de… Não fique assim, como se perdesse o assunto, fale comigo sobre outras coisas.

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Deixem as borboletas voar sozinhas
É inverno mas tanto faz
É o pensamento que dita a temperatura
E eu não te quero ver em todas as linhas
As borboletas são só uma triste e dura
Ilusão para te afastar do que me traz
A tua inteira ausência eu-solidão

E se eu não te conseguir ver nas borboletas
Que farei de todas estas linhas de razão
Para te afastar desses profetas
Quando chegar o verão?

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