quarta-feira, 25 de outubro de 2006

Princesa encantada, por qual dos teus olhos me viste
Quando eu passeava a minha alma no teu jardim?
Ai! Não pensaste nem sentiste, simplesmente sorriste!
Tão calma e segura, abriste caminho para mim.

Oh! Princesa teu coração vacilou incerto e vazio,
Tão modesto e humilde ao entrar no meu terreno
Vasto, mundo baldio, chamuscado, infértil, frio,
Inculto sim, em tudo, à excepção, talvez, do medo.

Abandonada aqui construíste o teu castelo,
Armaste-me cavaleiro num cavalo sem esporas.
Continuei o mesmo e tu do meu orgulho choras
Lágrimas pelo desespero inquietante e belo.

Percebe que eu sou só cavaleiro de um romance,
Espírito, alma que não finda nem muda nem cessa.
Então transforma-se, ama-se sem que nunca se canse,
Se vive também vai morrendo sem glória nem pressa.

Através de teus olhos eu te olho, fundo e grave,
Destacando o sorriso e a tristeza imprecisa.
Sou um espírito no sótão, enterrado na cave,
Minha alma sobrevoa por esse castelo que não pisa
O Chão.
Sou um coração pisado que pesa,
Cansado da armação indefesa.
O corpo ateu, que reza.
O morto teu, Princesa.

terça-feira, 24 de outubro de 2006

Bola

Amor, primeiro a coincidência do olhar, a incidência desse magnetismo semelhante ao dos planetas. Depois vem o rosto, gesticulando a promessa dessa beleza tão insuperável. Seguem-se os gestos, dando rosto a algo nobre e alto com as mãos orquestrando a valsa onde os nossos destinos se cruzaram.
Depois, o mundo cai-nos em cima, os olhos escondem-se, os rostos tapam-se, as mãos têm na sua pele a flôr dos nervos fervilhando, o ambiente da sala sufoca-nos, as vozes são ruído para os sentidos, uma unha a arranhar um tecido é um trovão, o bater de uma mesa contra a outra é um violento acidente de viação, o cair de uma caneta ao chão é forte demais para os tímpanos, e as palavras saem desconexas e voláteis.
Então brincamos, fingimos, fugimos ao assunto para ir ao encontro do riso, “o mundo é uma bola! o mundo é uma bola!” e gira comigo e contigo lá. O desejo? Esse é para quando somos grandes e maiores que o mundo e que os deuses, mas agora aqui somos crianças, o mundo é uma bola e nós cabemos bem nela e ela em nós enquanto bola que é, os deuses riem-se connosco e somos os dois maiores que o tempo.
Depois, a distância não se mede com réguas, uma parede é querermos ser maiores que nós, um amor perdido é um amor não tido, o mundo volta-nos a cair em cima, tentamos pô-lo por baixo e ele volta a rolar nos nossos pés, nós somos grandes, até ao próximo... Amor, primeiro a incidência do olhar, a coincidência do magnetismo, semelhante ao dos planetas. Depois vêm os gestos, dando rosto à promessa dessa beleza tão insuperável. Segue-se o rosto, gesticulando algo nobre e alto com os lábios sibilando o conto onde os nossos destinos se cruzaram.
Depois caimos em cima do mundo, os rostos escondem-se, os olhos tapam-se com as mãos: fervilham os nervos à flôr-da-pele, há no ambiente da sala ruído, as vozes sufocam os sentidos, um trovão é uma unha a arranhar um tecido, um acidente de viação é como duas mesas a baterem uma na outra, os timpanos não percepcionam a caneta que cai no chão, e voláteis ficamos desconexos das palavras.
Então tornamo-nos sérios, procuramos a razão, arranjamos temas para ir ao encontro da memória “o mundo é plano, o mundo é plano...” no qual sobrepomos os nossos planos. O amor? Esse é para quando somos pequenos e frágeis perante o mundo e os deuses, porque agora somos crescidos, o mundo é um plano no qual planeamos o nosso plano e rezamos aos deuses para que nos salvem a tempo.
Depois da distância percorrida notamos que foi no sentido inverso, uma parede intransponível é sermos maiores que a porta, um amor perdido é o que não chegamos a ter, voltamos a cair no mundo, tentamos pô-lo acima de tudo e ele volta a fugir debaixo dos nossos pés tal como os nossos planos, nós somos pequenos, até nunca...

segunda-feira, 23 de outubro de 2006

Esse Agora

Nunca me converto ao que sou.
Vou sempre sucumbindo à tentação
De ser no tempo que passou,
Volvendo levemente com a mão
As páginas da memória, dou
À presença das horas a razão
De se ausentarem quando estou
Entregue à minha eterna submissão.

Vejo o suficiente para saber
Que a gente tecida desta teia,
Sobra do tempo, que sem querer,
Mistura na mesma estreita veia
A ternura e amargura de viver,
E passeia sem dar conta que vagueia,
Pela estrada que tende a anoitecer
A cada pegada apagada na areia.

Nunca serei presente!
Ó passado sublinhado,
Estarei presente, talvez, uma ou outra hora
Entre mim e o que for eu de passado,
Mas nunca, nunca saberei realmente
Distinguir nessa demora
Esse agora pelo tempo compassado.

segunda-feira, 16 de outubro de 2006

Nova Esperança

Deixo existir a natureza
Tomando pelos braços
O que me toma
Marcando passo a passo o compasso
Subtraindo de mim a tua soma.

Caminho em passos lentos
Compassados
No ritmo de querer e de ter força
Mas a vontade presa aos passados
Não traz verdade à nova esperança.

***

Ninguém mas tu
Que soubeste sem saber
Minha hora, esperada.
Nesta manhã a nascer
À hora marcada.

Ninguém mas tu,
Soubeste ser, sem nascer
Na minha hora.
Nascente antes
Em mares distantes
Mas vieste brumar à minha orla.

Ninguém mas tu
És esperança da paz
Que eu não alcanço
És a criança
Que me refaz
Do meu cansaço.

sexta-feira, 13 de outubro de 2006

Eu sei, este silêncio podia muito bem ser noite e gargalhadas, esta saliva amarga podia ser álcool do teu copo, estas cinzas no cinzeiro opaco de cristal podiam ser fumo azul brilhante em movimento hipnotizando-nos. Rimonos porque nascemos e choramos cada vez que algo morre: pode até não morrer alguém ou algo, podemos até nem chorar, mas algo nos deixa algo de tristeza no olhar, ou parecido, como o vazio do fim da festa que acabou sem nos apercebermos. Tão bom saber que existe todo um conjunto de signos e ícones que nos une através dos séculos e dos segundos à lua, à sua luz... à sua noite, negrura vasta estendida pelos céus. Que deus maior que este? Omnipresente, omnipotente, insistente ao fim de cada dia. A noite encobre os nossos pecados, mesmo inocentes, sentimo-nos perdoados, somos levados pela mão a finalmente Ser. A existir! Que dia pode definir tão bem como a noite as nossas vontades, os nossos desejos, os nossos sorrisos, os nossos crimes? Que poder posso eu ter perante o brilho do sol que tudo expõe? Que felicidade posso eu tirar dessa harmonia e dessa luz, dessa perfeita demonstração de natureza que eu não sinto? Sei que é na decadência, na acção depois do fim, cortinas fechadas a essa representação diurna em que o homem finge e disfarça a sua forma, que posso sentir que o ser humano é algo mais que humano, que as pessoas são mais que pessoas, que somos deuses e que sabemos a vida de olhos fechados, porque passado as horas do sono, mantendo-nos acordados, redescobrimos a essência de viver depois do fim.

segunda-feira, 9 de outubro de 2006

Vieste, na tua posante sedução
Pelas linhas afectas da feição,
Perdida nas ruas rectas da razão,
Encontrando a lua distante neste chão.

E eu, criado da vontade e do desejo,
Plácido e estonteado em teu beijo,
Cego pela luz dessa rotina,
Triste pela feliz orla da neblina,
Tentei não te encontrar perto do fim.
Procurei fugir para te encontrar,
Tentei fingir que te encontrava.
E encontrei a fuga que em mim
Só no silêncio da verdade se mostrava.

Procuro, ainda hoje, essa ambição,
De ambicionar mais que esta existência,
Formar no ar castelos de paixão
E ter em mim toda a ciência.

Mas os dados do jogo deste amor
Jogam no prazer de qualquer leito
De nem saber que nada sei, deste meu gosto
Pelo sublime defeito do teu rosto
De crime perfeito.

sábado, 7 de outubro de 2006


O fim da festa,
Que coisa mais triste e nefasta.
A minha alma afasta
A mente, e queima e arrasta
O meu corpo, que quer mas não basta.

Vida. Noite, adormece-me mais uma vez,
Conta-me essa história repetida loucamente,
Essa história sibilante da nossa pequenez
Vangloriando a voz que se esvai humanamente

Fim.

Começo.

Sim.

Reconheço a tua voz.
Paixão. Morte. Motivo.
Colar de pérolas atroz,
Estrangulamento passivo.

Desejo. Fé. Raciocínio.
Meramente vontade
De soerguer a verdade
Ao pôr-do-sol do declínio.

terça-feira, 3 de outubro de 2006

Só a nós cabe

A realidade
Destruída
Reconstrói-se.
Só a nós cabe
Essa ambição.

Falam-nos múrmuros
Rostos tapados
Nossos passos.
Só a nós cabe
Segui-los.

Dizem-nos calmos
Espíritos outros
Nosso Destino.
Só a nós cabe
Tê-lo.

Dançam as mãos
Brincam os olhos
No espaço.
Só a nós cabe
Pousá-los.

(Foto: Fonte da Moura, Forte de S. Neutel, Chaves.)

domingo, 1 de outubro de 2006

O Cheiro Deste Livro Excita-me

Como é que tu adivinhas coisas assim? Ainda estou para descobrir, e acho, convictamente, que vou estar para sempre. Eu e qualquer um. Convicção é a última coisa a nascer, e como eu estou convicto de que não há princípio nem fim, porque estes são establecidos sempre pelos humanos, qualquer "algo" é sempre algo entre aspas, nunca algo em si, sempre aproximado, nunca total, até o mais complexo dos sistemas, algo quase, nunca algo algo. O exemplo, tudo o que eu escrevo, tem princípio e fim porque eu o começo e acabo por parar num ponto qualquer, o que eu quero escrever, sobre qualquer coisa, nunca começou nem vai acabar, porque é, e é a isso que eu tento chegar, sem nunca chegar, tentativas quase inúteis de mostrar que tenho para mostrar o que tenho (e todos podemos ter) de indemostrável aos outros. Por aí se criam (capacidade de síntese do existente, ou seja, fazer caber na consciência uma existência, que de qualquer maneira é sempre maior que a consciência) todas as "disputas" humanas e imperfeitas para consciencializar a experiência (cabendo esta na existência real e nunca totalmente percepcionada pela consciência ou na ideia já pervertida de uma parte incompleta de experiência) que fazem de nós aquilo que nós pensamos ser sós e que nos tornam na maravilhosa criatura social, como esta aparentemente complexa consciência social que nos dá esta experiência e existência social tão surreal quando observada de fora. O quanto os deuses se riem! Eu não falo sozinho.

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