Agora Como Ontem
Viagens atrás da janela
Com os olhos pela rua
A vela atrás arde nua
E a nossa alma numa cela
Revela a bela que há dentro
Tal qual a natureza de cimento
Um sol cinzento
Um brilho nas nuvens
O amor ciumento
E a fachada de desdéns
Os que por uns vinténs
Se sacrificam ao julgamento
Dos infiéis á sua posição
Nas alturas de compaixão
Levam numa mão os bens
Na outra todo o alimento
Agora como ontem, por trás de tudo,
No fim do que julgamos ser começo,
A linha estreita, minga, ainda mudo
O mundo e mais a mão que esfrego e aqueço.
Risos de desesperos inquietantes;
Pisos e pisos de exageros exuberantes;
Luxos em carnes velhas de viver,
E de não ter outro pensar que o poder.
Cada pedaço que levas á boca,
Com o garfo e com a faca de prata,
Mostra a insensatez mesquinhez oca;
Ontem como hoje o poder nos mata.
Foge por entre isso a que chamas mundo,
Intempérie ofuscada de fomes sedentas.
Por entre tudo o que chama-mos nosso e no fundo,
Tudo não passa do retorno às tormentas
Do passado
Que sem passo distanciado
Se aproximam pelo círculo
Ridículo circo
Que compomos
Nós e os sonhos
Realidade detestável realidade
Antes afogar do que como Camões
Morrer servindo algo que sem vontade
O deixou afogar em sonhos e caixões.