quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

A Estrada VI

E tudo foi no seu perfeito seguimento
O reconstruir de todo o firmamento
Sei sentir em mim tudo o que existe
Que é o que a mim importa que exista
Tu entraste finalmente nessa porta
E sorriste
Disseste que o mundo não importa
E partiste

(perto do fim perto do fim
ouvem-se vozes mal ouvidas
sentem-se ferozes em mim
as tuas mãos arrefecidas)

Já não sinto a nostalgia do presente
O arrependimento do nada
Inundar a tua face parada
Junto à estrada sempre ausente
Deixar-me na berma calada
Este silêncio é um outro
Como um festejo rouco
À espera da festa ensaiada

Não sei quem te deu o meu olhar
Nem quem foi que te emprestou a minha mão
Eu não fui pois eu nunca estive
Onde sempre julguei estar
Mas tu ficaste como quem vem ao encontro
De um novo polegar entre a paisagem
E encontra em toda a boca a aragem
Do futuro que se aproxima de nós
Excessivamente

A tua cabeça sempre foi mais que pensamento
Sempre senti em ti o fervilhar amoroso
De pensar como quem constituísse matrimónio
Com a sabedoria e ficasse para sempre a pensar
Que a evolução era um conceito que se explica
Evoluindo a explicação e a evolução
Não para explicar a evolução e a explicação
Mas para transitar entre as mentiras que suprimem
A cor dos arcos íris que se assemelham
A fantasias irreais e que só vemos
Porque existem dedos para apontá-las
E eu não sei que mais consegues dar
Que essa voz perdida em ecos silenciosos
Que se esbatem nas cores que vêm da rua nocturna
Mas perfeitamente iluminada pelo calor
De luzes de candeeiros que se replicam
Uma dúzia de passos à vez
E toda a sua luz é a nossa noite
É a nossa negrura mais obscura
Tudo para além disto é a negação
De existência
Porque se eu te visse no escuro eu não sei
O que poderia deixar à luz dos acontecimentos
Mais que uma vontade não seria certamente
Mas iria pedir mais de mim do que aquilo que eu
Sempre trouxe nos bolsos
Ou nos maços de tabaco
E a única luz que eu posso ter para radiar
É a do isqueiro que nunca é sempre o mesmo
E que vai mudando à medida que se gasta
Ou se perde ou circula
Como propriedade dele mesmo

Adorava ter a coragem de ser eu
Como quando nos perguntam o nome
E nós dizemos com a certeza da verdade
Achando impossível e ridículo
Ter outro nome qualquer

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Ser e impossível

Como tu vieste a ser
Essa voz pura iluminada
Antes do amanhecer
Entre o vazio e o nada

Procuraste entre a porta
Encontrar vestígios ou pegadas
E encontraste a verdade morta
Estimaste o escudo e a estrada

O escuro nunca foi de facto
A alma que tu espelhavas
No suor no sorriso e no tacto
Hora em que tu mostravas

À luz acidentalmente a tua sombra
E ficaste plácida e imperecível
No rasto insólito e incrível
O deus morto pela sua obra

Não quero com isto te descobrir
Do manto negro invisível
Na negrura de todo o existir
Brandura do tecer passível
De um ser não ser e descobrir
O existir de um ser impossível

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

A Rua VII

O que fizeste para não seres vista
Quanto pagaste ao tempo para ele te ter
Deixado passar entre as horas
E visitar a perfeita corrente que liga
A sequência do que acontece
Para além dos olhares indiscretos
Que espreitam entre as brechas
Das nuvens
O que deste em troca desta arte
Vida repetida a cada toque que forma
Um arrasto no ar como uma caneta de luz
A pintar na transparência do teu olhar
A vitória do inconsequente
Como tornaste o teu mundo mais mágico
Que o meu que recriei de cinzas e passados
Mais que a vontade e o desejo soubeste
Impor como rainha do universo na tua mão
A direcção dos astros de cada ponto
Que se vêem com o cerrar de olhos
Com os quais tu dimensionas o que existe
Como passaste a barreira do pensável
Com essa calma de quem diz eu não sei nada
E absorves cada pedaço do que passa a teu lado
Constróis a razão do que se mexe e depois pensas
Com esse teu ar pensativo e abstraído
No tempo que demora a se formar
Cada criatura em união neste presente
Em que tu criatura única e irrepetível
Fazes de tua o que te rodeia um mero quadro
Que sem ti era a inpronuncíavel negação
Da existência

Não há nada que eu possa querer dizer
Quando tu mesma não sabes o que dizer
Sobre esta vida que se espalha a teus pés
E eu não encontro mais razões
Que o que o meu olhar me tem para dar

Não digas nem uma frase ao meu ouvido
Só a tua presença é o destruir imediato
Do meu sentido
A tua procura
É o perfeito equilíbrio da minha satisfação
Pois eu não quero ter de reconstruir o mundo
Depois da tua passagem

domingo, 9 de dezembro de 2007

A Estrada V

Procuro-te com o olhar
Depois da luz que ousa entrar pela porta
E num passo indesejado há luar
Que espreita pela janela
Que devia estar fechada

Dá-me o teu ritmo
A tua dança
A tua voz e a tua criança
O rasto do puro e íntimo
Que se desvanece na crença
De que o mundo é o fim último
E que a vida morre antes da esperança

Onde encontraremos a verdade
Que não procuramos sem ser com a vontade
Porque desejamos a ausência e o mistério
E naufragamos a cada pedaço do império
Que construímos no círculo que nos rodeia
E no círculo que somos e que deixa morrer
Pedaço triste pedaço de sabor que deixa arder
Cinza perpétua e unitária dos olhos de Pompeia

Assim te vejo caminhar atravessando aquela porta
Como se de uma parede se tratasse
E o teu reflexo vem de todo o lado e há transtorno
No teu olhar que reencontra o que não sentiu perder
E eu permaneço imóvel e indiferente à escuridão
Que se reúne como um grupo de amigos em meu redor
Calados e de olhos fechados para o céu
Como quem espera a oferenda açucarada
Da convivência elogiosa da recompensa

Eu ainda te sonho
Eu ainda te peço Entra por aí adentro
Por dentro
Deixa o que se passa iluminar o teu passo
No meu espaço
Ao mesmo espaço do compasso
Que rege o teu laço
E eu ainda te agradeço
Todo o volume intacto
De permanência no abstracto
Relacionamento de aguardar com impaciência
O relatar moroso e informal da tua tendência
Para seres fumo em mim
Para te tornares o rumo e o fim
Que se espalha como ar na janela aberta
E que só o vento soube amar na descoberta
De todas as suas virtudes

Agarra o meu braço
Eu espero porque sei o que se espera
E sei que o esperar é uma melodia
Que pode findar a qualquer toque que erre
A nossa concentração emocional

Sei perfeitamente qual é a tua morada
Estás presa entre as vidas e os futuros
Estás arrebatada pela sorte a outros fundos
Perdeste o sentido que te davas a ti e que não tinhas
Essa corajosa exuberância impotente
Ainda te chama ela entre as poeiras do caminho
Como uma rosa que olhas e não colhes
Ou foi definitivo este eclipse como uma morte
Que vem definitiva se mostrar inconclusiva

domingo, 2 de dezembro de 2007

A Rua VI

Batem-se palmas entre a gente
Para a gente que vagueia pelas ruas
Abres a boca e nada mudas
Tudo em si mesmo inteiro permanece
Mas algo se altera na profundidade
Que escapa ao olhar inesperado de quem olha
E a tua mão escapa atrás do teu vestido
E bate na minha como um incidente despido
De importância para o mundo

Mas todo o mundo aí se criou
Aí inesperadamente houve uma voz
Que passou a falar comigo baixinho
Como quem passeia comigo
E vai apontando as coisas que lá não estão
E me fala de ti como se fosses
Algo mais importante que tudo aquilo
Que se pode ver em toda a vida

Deixei de me preocupar com os passos
Que damos entre os restos de expectativas
Nascidas em nós vítimas humanas
Das violações do imaginário
Um começo próprio de um começo
Como tantos começos da nossa vida
Passamos a vida a começar
Porque nunca vai existir um fim
Que valha mais que um bom começo

Mistério chave dos universos
Chave das estrelas e dos mitos
Dos passos e dos cantos
Das vozes e da palavra-acção
Que rouba e dá e foge
Que existe sem mais nada em si só
E é ouvida em qualquer sombra
Ou vazio do tempo e do espaço
O mistério é a chave do corpo
Da mente e do espírito
Do destino e do amor
E do sexo e da esperança
Da vontade e de cada passo de cada dança
Mistério do começo e do fim
Do nevoeiro e da espera vazia
Da tentação e da alegria
Mistério do número e do andar
Do som da campainha
E de todas as formas pra lá da porta
E de todas as vestes que se encobrem
De luz e de falta dela

Maravilha que compõe o mundo
O tentar aceder à lógica aleatória
Da fonte da vida e do existir
Deslumbramento dos sentidos
Veículos irrepetíveis e únicos
“Perder um medo
Não é nunca ter tido esse medo”
E dançamos e procuramos
O fim perfeito o fim
Só aquele em que acabamos de cair
E não esperávamos
Temos tantos fins
Assistimos a tantos começos
E só este decisivo final
Este misterioso final
Que não compreendemos
E o que conhecemos
Vem depois de tudo

Aplauso impresso no mistério
Que compõe todo o processo
Do mundo

Vitória e perda
Da memória destacada pela borda
Da vida

Vastidão imperecível
Recomeço e correcção
Fim inesperado e detestável
Ilusão imperiosa ilusão
Do ser

Coercível perecer
Palavra do fim
Adormecer

Cair do pano
Negrura silenciosa
E dura

Amanhecer pleno
Aurora esplendorosa
E pura

São declamados pelos teus lábios
Nestes sonho irreais e nunca tidos
Engane-se quem pensa que os sábios
Se fazem entender quando são lidos
E as palavras nunca servem a verdade
Nem nunca condizem com os olhos
São vazios de acção e de sonhos
São o fim que não encontra finalidade

Por isso poetiso
Porque há um vazio impreenchível
Porque há uma acção exequível
Que procura a sua forma entre os gestos
E as palavras não são actos, são gostos
São pactos de oposto a oposto
Deixam entre si um grande fosso
De fim e de começo e no teu rosto
São silêncios de perda e de destroço.

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