quinta-feira, 17 de novembro de 2005

Metade do mundo é nosso,
A outra metade é sombra.
A nossa é um vago pedaço,
Onde não se encontra a palavra.

Metade do mundo é um jorro
De imagens e vagas memórias.
O nosso, é um sibilado sussurro,
Fragmentos inaudíveis da historia.

Metade do mundo ecoa
Por ruas e suas vertentes.
O nosso mundo desagua
E corre para afluentes.

Metade do mundo na rua,
Há procura do romance.
Metade do mundo na lua,
E nunca mais amanhece.

Metade do mundo desliga
O seu fio condutor da corrente.
Mas, verdade se diga:
O mundo não é vida – é gente.

segunda-feira, 7 de novembro de 2005

Seis quartos de hora abertos
Expostos como se a vida aqui não estivesse
Irreflectidos como três segundo de fôlego
Essa coisa arrefece
E num passo embriagado e trôpego
Os nossos sentimentos fartos
Bebem de um copo que escurece
Na manhã clara dos quartos

Quadros são janelas para a vista
Vistas turvas mais bem conservadas
Cortes profundos de raciocínio
Mas as oblíquas lânguidas curvas
Num dedo vertical ao declínio
Faz de tudo e nada uma faísca
Que explode na pequenez do fascínio
São mais uma vez águas e turvas

Colados os papéis aos dedos
Fermentos de um qualquer conto
Abro línguas á boca que venero
Qualquer fim desprovido de ponto
Disfarça a voz o que quero
Explodem fantasmas de medos
Mas estou calmo se sincero
Tudo isso em que me encontro
É um doce manejar fraseado
Que procuro e desespero
No fácil gasto e inútil centro

sábado, 5 de novembro de 2005

Obessessao Do Gesto

Para quem foi esse aceno
Esse tão belo que adere
Esse gesto inédito e pleno,
Tão ávido quão célere

Talvez fosse só cortesia
A tua despedida tão cortesã
Quantas vezes a usas ao dia?
Comigo, ela não foi vã!

Teria esse gesto desenhado,
O rasto da tua saudade?
Não, olha-me, diz a verdade?
Comigo por ti tens sonhado?

Eu por ti sonho, e saudade
Ah! Quanto me fere e engole!
Gesta em mim uma paixão mole,
Que me adoça a vontade.

Mas diz-me, do teu gesto
Quanto dele foi manifesto
De uma vontade posta a gosto?
Um desejo que adoça rosto!

Que adoça o coração
Mas faz moça este chão
Faz, não faz?
Enquanto o fixas no caminho,
Na leve imaginação, sozinho,
O sonho rouba a paz,
E nada é capaz,
Nem mesmo a saudade,
Pura de mais, que á vontade,
Lhe rouba o tempo fugaz.

Abraça-me e diz-me que esse aceno
Foi um despertar de algo em ti.
Eu sei, senti no teu rosto, o que vi,
Foi o nascer de algo em pleno.

O que foi então esse aceno?
Esse que aqui se me gravou,
Esperava-o a tua alma o soltar?
Em mim, ele tudo agravou!
Gerou o desejo doce e ameno,
Gerou não mais que a vontade de amar.

Para quem foi esse aceno
Esse tão belo que adere
Esse gesto inédito e pleno,
Tão ávido quão célere

Era de mim que te despedias,
Banal gesto de cortesia
Ou era um adeus de saudade
Àquele que em sonhos te invade

Não sei se em ti eu altero,
O bater do teu coração,
Em mim, é um exagero!
Quase desenha um caixão!

Não foi a sedução
de um gesto,
Afogado na não-sedução de um corpo.*
Foi a saudação
de um rosto,
Afogado na despedida de um gesto absorto.

Mais romance que em Kundera!
Foi o sonho completo pelo rosto...
Nunca a realidade metafísica tivera,
Excepto nesse segundo ao qual me prostro.

*Opus cit. A Insustentável Leveza do Ser, Milan Kundera.

Consome-me.
Come-me.
Devora-me como uma besta bárbara e canibal.
Animal de dentes afiados à procura da sua matéria sólida e consumível.
Podem comer o meu corpo mas nunca devorarão a minha metafísica - prática ou teórica.

Algemado á relutância:
Vamos avançando lado a lado
Da realidade e do sonho,
Para o sonho e realidade;
Metade sou o que sou,
Na outra metade,
O que me suponho.

Mas nunca sobreponho uma metade à outra,
É a minha consciência que lucra!
A minha vivência que não se apressa,
Vença quem vença
Sairemos sempre vencidos pela doença.

Ou talvez seja um ganho negativo,
Mas não me emprenho do relativo:
Vou saboreando tudo o que vem enquanto vivo.

Vou vendo a vida que não volta, voando.
A ver o futuro com os olhos, sonhando.

A vida não é passagem alada,
A vida não é mensagem de nada,
A vida é um não ser outro que não este,
Um não poder sair de algo que nos reveste…

Sentir-nos presos ao que de nós encontramos,
Levitar em pensamentos do que de nós não fazemos,
É um fazer algo mais do que já está feito,
É um nada aperfeiçoar do imperfeito.

sexta-feira, 4 de novembro de 2005

A minha alma sofreu um apagão. Está escura. Vazia. Apenas a minha recordação leve, um estado de consciência mais onírico que real. Um não conseguir voltar atrás por um não querer instintivo. Algo mais que substância, matéria ou facto. Sinto mudanças interiores, e já nem me vejo o mesmo no espelho. E quando fecho os olhos, estou num quarto de espelhos, onde cada reflexo é díspar do seguinte, e nenhum deles sou eu. Entrei no futuro e deixei o passado atrás a porta. Sei que ele lá está, e só nessa medida ele existe para mim. Não tenho agarrados a mim os fios esfarrapados do passado, como sempre foi o nosso caminhar.



Quero água a escorrer-me pelo corpo. Quero a purificação. Quero a catarse, pelas lágrimas caudais. Arrancar de mim a abundância de adjectivos. Quero o método simples e prático de objectivos. O pensamento claro, o corpo firme. Os olhos assim mais penetrantes, nem vagos nem cerrados. Sem nada para obstruir a fluidez e a harmonia própria de um ser uno e não vário. Quero ser grato pela ajuda, divina ou altruísta, sem ter de gritar pelo socorro. Sem ter que dar a mão, apenas enlaça-la. E ser livre de desenlaça-la e colher a flor, e subir á árvore, e acariciar a vida. Acordar o mesmo sem me cansar, por ser diferente. Diferentemente o mesmo exacto existente. Sentir o meu ser vivo e, sem esforço, sentir-me total. Sentir-me leve para voar, e pesado o suficiente para assentar na terra. Ou na rocha. Ou no cimo de um castelo. Ou perto de ti, e depois poder ir outra vez brincar com o mundo.
Na minha alma apagou-se a luz, e sei que a mesma luz não volta mais. Virá outra, mais forte, mais intensa, mais presente, mais abrangente, espalhando-se num suspiro e recolhendo-se a cada canto. O tempo quer brincar comigo, e eu até olho para ele como quem olha para o mar, que vai e vem em cada onda que rebenta. E como uma folha que viaja ao sabor do vento. E como um fim de tarde de um Outono laranja, que espelha em nós o ouro da existência. Abro os olhos, e cá estou eu a existir para o mundo.

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