sexta-feira, 24 de março de 2006

Portas Que Abrem Chaves V


Vejo-te ao longe
E perto te penso
A amar.
O que da distância foge
Quero-te agora, mar,
Para voltares no regresso
De querer voltar.

***

Sinto-te ao longe
E perto te imagino
A ser.
A imobilidade que foge,
Quero-te meu, querer,
Para existires no regresso
De voltar a nascer.

(Nota: esta exposição de fotografia e poesia é dedicada à cidade de Chaves, daí o nome Portas Que Abrem Chaves
Note: this exposition of photography and poetry are dedicated to the town named "Chaves", which means keys, and give meaning to the title "Doors That Open Keys" - the town.)

Portas Que Abrem Chaves IV


Eu queria
O dia
E a noite num só rosto.

Uma viagem
Pela paisagem
Do oposto.

Acorda-me agora
Mas acorda e devora
O outro lado do espelho
Indisposto.

Vaga a recordação
Lá o projecto,
Em vão
Lágrima afecto.

Avisa-me do preço,
Declara a tua nua fragilidade
Cara de lua e impiedade
Cara metade de metade do regresso.

Acordo,
Levanto
E volto a deitar.
Absorvo o ar
No sorver do pranto,
Ardo.
Água que arde
Na ardente liquidez
Da chuva da tarde
Em que toldo do fim de uma tua rua nos fez.

Olhas e olhas e não vês.
Não queres ver.
Nem teus olhos merecem
Palpar o meu sofrimento na cruz
Do meu cruzamento de sofrer
Com meu futuro que os deuses esquecem.

Eu voltava
Se pudesse
Ao princípio do mundo
Eu chorava
Se houvesse
Algo de algo no fundo.

Portas Que Abrem Chaves III


No despertar do sono
A realidade emerge
E nos devora.

Mas quando ela
Nos aflige

Na aurora

Ele se desflora.

Como esfinge
À chegada da insuportável hora
Na detestável realidade que se finge

Ele a mascara.
Como um espírito que nos atinge
E se evapora.

Portas Que Abrem Chaves II


Qual foi a fada
Que te semeou?
À beira estrada,
Na beira longínqua
Do nada.

És epicentro
Isolado.
Corre em ti o vento
Corre em ti, lento,
O tempo parado.

Em ti vivem estátuas
Que emergiram
Dos antigos.
Em ti estacionaram
Memórias fátuas,
Fomes d’outros trigos.

És ouro banhado
No bronze.
Escondes o fadado
Mistério, que te benze.

Portas Que Abrem Chaves I



És sem ter sido antes
A novidade esperada
Sabes ser nova
Cada vez que és desejada

Danças e colhes os frutos
Que o tempo semeia
No chão.
O vento levanta a areia,
Mas a ti não.

Algo se esconde em algo
Que desconheço,
Tépido sonho em que adormeço.
Vejo-o tão perfeito,
Que estremeço.

És tu, tu, que aqui vens,
E só por aqui não estares,
Vens. E sabes que os mares
São marés que tu tens.

Afastados de nós mesmos
Nunca nos vejamos. O mundo
Está em ser vivido nos termos
De a gente ser gente,
A vida ser vida, incessante.
Mas se por acaso, os fundos
De uma qualquer razão te atracarem,
Pára!, que a verdade é do segundo
Em que as realidades sonharam.

sábado, 4 de março de 2006

Não vou ficar mais uma vez acordado,
Na espera intermitente do descanso.
Gastando, passo a passo, o passado,
Passando sem ficar nesse avanço.

Olhando o valor que subestimo,
Fico pasmo na imobilidade,
Amo e acredito no abismo,
Ser: não mais que a vaidade.

Algo cai quando em nós caímos,
Valsam as vidas como folhas caídas,
Então a voz é música que ouvimos,
No murmurar tépido das vidas.

Nevoeiro espesso que me cega,
Nada impede, conforta a novidade
Do que vem, do que se entrega
Ao desespero silencioso da verdade.

Caminho o caminho a traço e não sei
Onde estou, quem eu sou, onde vou;
O que de mim para trás deixei,
E lá sei tudo o que agora não sou.

Onde estás, onde fiquei é quem lá
Se espera, sem vir porque já foi;
O que de mim para trás ficou,
E lá sei tudo o que agora não fui.

Abraço a braço, o traço de cada e todo firmamento,
Caminho vasto,
Imune o olhar ao sentimento
Do espaço que se gasta, a cada gesto.

Algo está a perfurar tudo o que existe,
Na calma que explodirá, na raiva irada,
Chamo algo em silêncio, pelo nada,
Chamo a chama que arde no despiste.

Pele, carne, osso que compõe,
A nossa fantasia de existir.
E a nossa maravilha está no ir,
Na valsa do bem que se dispõe.
A falsa realidade se nos opõe,
No sonho que está porvir.
Mas a verdade fala, sem sentir,
O que o olhar procura, ao mentir.

Tanta, tanta piada que lhe acho
À nossa representação quotidiana.
Os actos os prazeres que despacho,
Ao encontro da forma que nos ama.
As poses e posturas automáticas,
As vozes as figuras nada práticas.
Tudo pelo aprazimento de uma fama
Que o uso do tempo, o desuso, chama.

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