terça-feira, 28 de novembro de 2006

Onde moras mestre por medida?
Eu te espero nesta hora enquanto
O meu cerebro tece rigoroso
O tecido orgânico da vida.

Sim, este meu manto
Que me cobre o dorso!
Enquanto aguardo o paraíso
Que não cabe dentro de nós,
Por isso fora o guardamos
Como se nosso. E preciso
É como a voz
Que para pedir amor utilizamos.

O gesto já não basta,
Há palavras na boca da besta.
Há forças por fora
Embora a hora não esteja marcada no chão
Onde a sombra do sol vai avançando sem crescer,
Loucos, rindo vamos sonhando em vão
Até os olhos acreditarem que somos o que pensamos ser.

Tomamos memórias por contraponto
Quando o terror da mudança nos marca
E o amor e a criança na barca
Balança para longe do nosso encontro.
Olhamos nossas mãos para nelas vermos
Algo
Nosso, com a garantia do que é pago
Com o nada que é sofrer por nossos sermos.

sexta-feira, 24 de novembro de 2006

Encontrei, um dia, já distante,
Alguém que me olhou nos olhos,
Perguntando-me, penetrantemente:
- Quais são os teus sonhos?

Falei de um outro eu, de uma outra gente,
Amores perfeitos por descobrir.
Falei-lhe de um ser diferente,
De outro sorrir,
E de como tudo seria claro e transparente.

Contei-lhe todo o meu desejo de transpôr
O vazio aberto em mim como uma ferida,
Colorindo o mundo com a côr
Com que as pessoas felizes olham a vida,
Encontrando a eternidade no amor.

Eu tinha um plano, mas já não tenho,
Perdi-o há muito tempo, já distante,
Quando me apercebi que o meu sonho
Era quem eu tinha à minha frente.

Ela partiu levando a côr nos seus olhos.

quinta-feira, 16 de novembro de 2006

Quem somos nós?
Alguém já fez esta pergunta
E nunca ninguém lhe respondeu.

Ficou à espera?
Conseguia adormecer?
Ou acabou por morrer,
Como uma fera,
À espera do amanhecer?


meu amor somos nós nesse espelho
não vou repetir olha os teus olhos
velhos
a nossa boca já não beija a imagem
já passamos e nunca estivemos de passagem
onde está tudo o que tu querias?
as noites os dias
já não são mais que fantasias
agora nesta hora fechada
pouco mais vamos reconhecer
desta sombra nefasta do nada
que nesta rara luz viemos a conhecer

meu amor eu não vou repetir
os teus olhos já não têm verdade para mentir
perdemos o que não sabiamos ser nosso
e a nossa carne separa-se do nosso osso

quarta-feira, 8 de novembro de 2006

Protege-me Sol dos olhos.
Vem cegar-me com esperança,
De não olhar a desgraça,
De ter por ver só os sonhos.

Imagina os nossos sonhos
Convergirem na manhã
Clara. E emergirem
Da razão e desespero.

Imagina eu te encontrar
Onde ontem te perdi.
O teu rosto claro e verdadeiro
E o sonho de que fugi
Ser o real, vivo e inteiro.

Festejo, quão mais bela poderia ser
Esta festa que é estar redesenhando.
Que forma de celebrar consegue ter
Mais beleza que o recordar – sonhando?

A onda vaga do passado está encoberta
E não a destinguiria se para trás
Sentisse a vontade da porta aberta
Trespassar, mas em frente, só tu és capaz!

Aclamo a tua voz quente e leve
Que levita ainda em meus ouvidos
O teu cheiro que agora serve
Todos os sentidos sentidos.

(alterna a onda vaga que só espuma
no fim do seu rebentamento nos derruba
e num ciclo de tão bestial e bela bruma
nos agarra de novo com a sua longa luva)

quarta-feira, 1 de novembro de 2006

imaginar é começar a amar POR a primeira gota de água da última chuva

Vale tanto a pena viver quando cabemos dentro da acção de viver. Vale tanto a pena olhar quando os olhos conseguem ver só o que vêem. Algo caiu de mim no momento em que essa aproximação tua ao que eu considero ser o melhor de mim me multiplicou a cada toque teu. Tenho agora os pés humidamente flamejantes, as luzes do metro passam pelo meu olhar que flutua por cima de quem me olha do banco da frente, e indiferentemente faço parte de toda aquela gente que caminha assim, no mesmo pó e até na mesma direcção, mas no entanto debaixo de um outro céu. Eu não! eu voo a cada passo teu na minha mente, a cada sibilante emitida pela tua boca ao meu ouvido, a cada gesto desenhado e eterno. Amor, o filho real da imaginação, o pleonasmo espelhado ao infinito, a inconsciência mais moralizada que qualquer sistema de normas racionais, a lógica mais ilógica por ter o sabor da incerteza constante da circunstância e do destino oculto e decidido.

O momento em que a primeiro gota de água da última chuva da nossa distância caiu, assim, nesse lugar indeciso, nesse lugar não marcado, acontece toda a magia de não ter acontecido nada, nesse beijo de tantas formas, nesse beijo de mil sabores, nesse beijo perfeito de não existir; mas certo! ah! sim tão certo e esperto porque espera e sabe que vem e que saberá bem, que vem sem adiar, que vem sem esperar, preciso sem contar cada segundo que passa sem passar, porque eu fico e acabo por sair de mim, mas volto num instante porque sei a hora e quero estar presente! Sim, nesse agora, sem demora, esse já que está por vir, esse presente sentir do que será este rir:

esquecimento inesquecível de esquecer.
momento imprescindível ao crescer.
sentimento imperceptível do ser.
movimento invisível ao ver.
pensamento indivisível do querer.


Dá-me as tuas mãos, toma um piano, toca para mim uma melodia qualquer, desde que seja tua e tu a queiras mais que a imobilidade deste meu olhar fixo em ti.

O dia em que me esqueci de te escrever

Era um dia de sol, normal e inalterável, tudo estava mutilado pela calmaria impressionante que se instalava nesta mesma pastelaria em que agora, sentado, fumando e bebendo com a estranheza humana e só humanamente possível deste dia ser igual a todos os outros. Outrora, outra mesma estranheza se instalava entre mim enquanto ser ausente e verossímil por dentro e ser (não-ser) presente e impossível por fora. Toda a acção humana se derramava no meu olhar como raios de sangue nos meus olhos; cada pessoa na sua individualidade se erigia no meu olhar como uma cova funda em redor dos olhos de uma noite desperta. E eu fumava e esperava sem esperar, com a certeza de uma madrugada. As ventoinhas paradas, não arejanto nem o fumo nem os fumadores, o ar condicionado condicionadamente parado não condicionando nada... As vozes e os ruídos simultâneos de ideias e pensamentos e verdades e certezas imperceptíveis e distantes, e instantâneos, como um som de um automóvel (com a verdade total do tempo e do espaço) irracionalizável ao passar a 200km/h por um ouvido atento ao mais pequeno tempo num só espaço. Laranjas, vinhos, maioneses em vitrines que reflectem espaços mais iluminados. Os olhos de uma empregada atrás do balcão, mexendo as mãos com um automatismo impulsionado quase só pelo instinto.

É assim a verdade que se nos apresenta todos os dias, é esta a única realidade das coisas em nosso redor, é neste tipo de espaços e nesta ausência para o que entendemos ser “nós mesmos” que encontramos, lucidamente, a promessa de um início de um nosso ritmo que nos faça saltar daqui para o espaço em que algo que não vemos acontecer, algo maior que todas as pastelarias do mundo (algo mesmo maior que o mundo!), algo que divide o tempo em três, ligando-o, o que nos faz ser existindo e existir para o mundo.


Este dia em que me esqueci de te escrever, o “me” não era eu e o esquecer não foi meu, porque nem a mão era minha. Este dia que te descrevo agora é o único dia que foi meu porque eu não cheguei a ser mais que esse dia, e assim, maior que a pastelaria e o mundo esse dia transbordou do meu interior e foi preenchendo o meu exterior até ao horizonte. Quando fui a dar conta eu estava, eu era, eu cabia todo dentro do dia.

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