quarta-feira, 14 de dezembro de 2005


Já está tudo escrito. Nos livros, nas paredes, nas bocas, nos olhares... Tudo está impresso, o futuro e o presente. As ideias, os movimentos e os impulsos; sim, o ponteiro é cíclico e os números são e serão sempre os mesmos. Harmoniosamente arrastados por um compasso no qual dançamos.
Levanto os olhos da mesa do café, olho em volta, e a atmosfera envolta de um doce e quente cheiro a gente, faz-me levitar. O chão está a centímetros do solo, eu sou o chão e sobre mim está erguido o imperioso edifício do Ser. De repente descanso os olhos num placard publicitário: “Change You View”. Sem mexer nada em mim, o placar exibe um novo slogan: “Renda-se ao sabor do inesperado”. Novamente: “win some... lose some”. Ah, religião tão fervorosamente seguida que a cada segundo nos indica o caminho, nos enche os olhos, nos rouba a vontade e no-la substituí por desejos.
Tudo está já escrito. Só nos resta vivê-lo, olhando profundamente aquilo que de superficial nos atenta. Afinal há mais, aqui no que julgávamos estar vazio. Afinal algo chocalha no que julgávamos ser inócuo. Quebra a casca fina e macia da sensibilidade. Lá dentro, lá dentro... Afinal, lá dentro. Afinal, nós sempre fomos felizes.

terça-feira, 13 de dezembro de 2005

Estilo Diamante

O estilo diamante cristaliza
Nos sentidos a voz que se procura,
Visão vasta, calma que alisa
As estrelas no horizonte de negrura.

A praia, aqui em baixo, tão perto
Adormece em mim toda a vontade.
Mas o invisível infinito tem verdade,
Tem a justa imaginação em que desperto.

Hábil é aquilo em que pensamos,
Série de imagens do que nos escapa,
O mistério, o fado, que aspiramos
E que a imunda realidade fede, mata.

Voa comigo, pela vista, cegamente.
Vê comigo como um só olhar célere,
Depois no escuro, são, brilhante,
Adormece o despertar que fere.

Realidade é mera absorção,
Do divino espaço que ela tem.
É aquilo invisível, quase imaginação,
Que bem se vê, por não se ver bem.

Vamos, vamos embora
Que o segundo é hora
E o mundo chora
Dentro, dentro
Onde eu não devia estar
O mundo é momento
E eu sou andar
Sem chegar a ser
Outra coisa senão querer

Vamos, vamos embora
Lá Fora, por fora
A vida não é aqui
Nem nunca foi certamente
Talvez no que previ
Tivesse sido
Mas só momentaneamente
Antes de vir já tinha ido

Vamos, vem comigo
Embora... agora... anda
Que o mundo não manda
Naquilo que eu digo
Vamos, vamos embora
Que o mundo devora
Quem insiste em ficar
Morrer é parar
Viver é ir embora

Será voz a poesia?
Só o tom, sem seu sentido.
O eco real da fantasia.
O agrado sonoro, humano, ouvido.

Será poema
Qualquer tema
Que se escolha?
Não será o pensamento
Um poema desatento
Sem tinta nem folha?

Quem não pensa
Que pensar
É uma doença
Que nos faz falar
Em vez do cantar
De criança
Que em vez de poetizar
Nos faz fervilhar
Na cabeça
Águas com que remar
A esperança

terça-feira, 6 de dezembro de 2005

Lembro como se fosse hoje
De te ouvir que o tempo foge.
E fugiu.
Que a vida é arte
E todo o que dela fez parte
Partiu.

Então eu desço
Pela sombra, pela escura
À procura da negrura
O que não esqueço

Então eu vou
E agora sou
O que fui!
Vejo-me aqui
Vejo-me em ti
E quanto dói...

Tanto, tanto pensamento que sei
Acaba, agora é tudo para ser nada
Mais alta é só por si a Lei
Que tudo finda – excepto a estrada

Por isso caminho, simplesmente
Sendo já só cinzas que caminham
Sopro no oco que é a mente:
Sonhos que realidades tinham.

Dá valor ao teu ser, em ti, tu
E ao amor, em si, nu
Que a vida acaba, em nada, a cru
Nesta estrada, tudo acaba - também tu

E também tu.

quinta-feira, 17 de novembro de 2005

Metade do mundo é nosso,
A outra metade é sombra.
A nossa é um vago pedaço,
Onde não se encontra a palavra.

Metade do mundo é um jorro
De imagens e vagas memórias.
O nosso, é um sibilado sussurro,
Fragmentos inaudíveis da historia.

Metade do mundo ecoa
Por ruas e suas vertentes.
O nosso mundo desagua
E corre para afluentes.

Metade do mundo na rua,
Há procura do romance.
Metade do mundo na lua,
E nunca mais amanhece.

Metade do mundo desliga
O seu fio condutor da corrente.
Mas, verdade se diga:
O mundo não é vida – é gente.

segunda-feira, 7 de novembro de 2005

Seis quartos de hora abertos
Expostos como se a vida aqui não estivesse
Irreflectidos como três segundo de fôlego
Essa coisa arrefece
E num passo embriagado e trôpego
Os nossos sentimentos fartos
Bebem de um copo que escurece
Na manhã clara dos quartos

Quadros são janelas para a vista
Vistas turvas mais bem conservadas
Cortes profundos de raciocínio
Mas as oblíquas lânguidas curvas
Num dedo vertical ao declínio
Faz de tudo e nada uma faísca
Que explode na pequenez do fascínio
São mais uma vez águas e turvas

Colados os papéis aos dedos
Fermentos de um qualquer conto
Abro línguas á boca que venero
Qualquer fim desprovido de ponto
Disfarça a voz o que quero
Explodem fantasmas de medos
Mas estou calmo se sincero
Tudo isso em que me encontro
É um doce manejar fraseado
Que procuro e desespero
No fácil gasto e inútil centro

sábado, 5 de novembro de 2005

Obessessao Do Gesto

Para quem foi esse aceno
Esse tão belo que adere
Esse gesto inédito e pleno,
Tão ávido quão célere

Talvez fosse só cortesia
A tua despedida tão cortesã
Quantas vezes a usas ao dia?
Comigo, ela não foi vã!

Teria esse gesto desenhado,
O rasto da tua saudade?
Não, olha-me, diz a verdade?
Comigo por ti tens sonhado?

Eu por ti sonho, e saudade
Ah! Quanto me fere e engole!
Gesta em mim uma paixão mole,
Que me adoça a vontade.

Mas diz-me, do teu gesto
Quanto dele foi manifesto
De uma vontade posta a gosto?
Um desejo que adoça rosto!

Que adoça o coração
Mas faz moça este chão
Faz, não faz?
Enquanto o fixas no caminho,
Na leve imaginação, sozinho,
O sonho rouba a paz,
E nada é capaz,
Nem mesmo a saudade,
Pura de mais, que á vontade,
Lhe rouba o tempo fugaz.

Abraça-me e diz-me que esse aceno
Foi um despertar de algo em ti.
Eu sei, senti no teu rosto, o que vi,
Foi o nascer de algo em pleno.

O que foi então esse aceno?
Esse que aqui se me gravou,
Esperava-o a tua alma o soltar?
Em mim, ele tudo agravou!
Gerou o desejo doce e ameno,
Gerou não mais que a vontade de amar.

Para quem foi esse aceno
Esse tão belo que adere
Esse gesto inédito e pleno,
Tão ávido quão célere

Era de mim que te despedias,
Banal gesto de cortesia
Ou era um adeus de saudade
Àquele que em sonhos te invade

Não sei se em ti eu altero,
O bater do teu coração,
Em mim, é um exagero!
Quase desenha um caixão!

Não foi a sedução
de um gesto,
Afogado na não-sedução de um corpo.*
Foi a saudação
de um rosto,
Afogado na despedida de um gesto absorto.

Mais romance que em Kundera!
Foi o sonho completo pelo rosto...
Nunca a realidade metafísica tivera,
Excepto nesse segundo ao qual me prostro.

*Opus cit. A Insustentável Leveza do Ser, Milan Kundera.

Consome-me.
Come-me.
Devora-me como uma besta bárbara e canibal.
Animal de dentes afiados à procura da sua matéria sólida e consumível.
Podem comer o meu corpo mas nunca devorarão a minha metafísica - prática ou teórica.

Algemado á relutância:
Vamos avançando lado a lado
Da realidade e do sonho,
Para o sonho e realidade;
Metade sou o que sou,
Na outra metade,
O que me suponho.

Mas nunca sobreponho uma metade à outra,
É a minha consciência que lucra!
A minha vivência que não se apressa,
Vença quem vença
Sairemos sempre vencidos pela doença.

Ou talvez seja um ganho negativo,
Mas não me emprenho do relativo:
Vou saboreando tudo o que vem enquanto vivo.

Vou vendo a vida que não volta, voando.
A ver o futuro com os olhos, sonhando.

A vida não é passagem alada,
A vida não é mensagem de nada,
A vida é um não ser outro que não este,
Um não poder sair de algo que nos reveste…

Sentir-nos presos ao que de nós encontramos,
Levitar em pensamentos do que de nós não fazemos,
É um fazer algo mais do que já está feito,
É um nada aperfeiçoar do imperfeito.

sexta-feira, 4 de novembro de 2005

A minha alma sofreu um apagão. Está escura. Vazia. Apenas a minha recordação leve, um estado de consciência mais onírico que real. Um não conseguir voltar atrás por um não querer instintivo. Algo mais que substância, matéria ou facto. Sinto mudanças interiores, e já nem me vejo o mesmo no espelho. E quando fecho os olhos, estou num quarto de espelhos, onde cada reflexo é díspar do seguinte, e nenhum deles sou eu. Entrei no futuro e deixei o passado atrás a porta. Sei que ele lá está, e só nessa medida ele existe para mim. Não tenho agarrados a mim os fios esfarrapados do passado, como sempre foi o nosso caminhar.



Quero água a escorrer-me pelo corpo. Quero a purificação. Quero a catarse, pelas lágrimas caudais. Arrancar de mim a abundância de adjectivos. Quero o método simples e prático de objectivos. O pensamento claro, o corpo firme. Os olhos assim mais penetrantes, nem vagos nem cerrados. Sem nada para obstruir a fluidez e a harmonia própria de um ser uno e não vário. Quero ser grato pela ajuda, divina ou altruísta, sem ter de gritar pelo socorro. Sem ter que dar a mão, apenas enlaça-la. E ser livre de desenlaça-la e colher a flor, e subir á árvore, e acariciar a vida. Acordar o mesmo sem me cansar, por ser diferente. Diferentemente o mesmo exacto existente. Sentir o meu ser vivo e, sem esforço, sentir-me total. Sentir-me leve para voar, e pesado o suficiente para assentar na terra. Ou na rocha. Ou no cimo de um castelo. Ou perto de ti, e depois poder ir outra vez brincar com o mundo.
Na minha alma apagou-se a luz, e sei que a mesma luz não volta mais. Virá outra, mais forte, mais intensa, mais presente, mais abrangente, espalhando-se num suspiro e recolhendo-se a cada canto. O tempo quer brincar comigo, e eu até olho para ele como quem olha para o mar, que vai e vem em cada onda que rebenta. E como uma folha que viaja ao sabor do vento. E como um fim de tarde de um Outono laranja, que espelha em nós o ouro da existência. Abro os olhos, e cá estou eu a existir para o mundo.

terça-feira, 11 de outubro de 2005

Agora Como Ontem

Viagens atrás da janela
Com os olhos pela rua
A vela atrás arde nua
E a nossa alma numa cela

Revela a bela que há dentro
Tal qual a natureza de cimento

Um sol cinzento
Um brilho nas nuvens
O amor ciumento
E a fachada de desdéns
Os que por uns vinténs
Se sacrificam ao julgamento
Dos infiéis á sua posição
Nas alturas de compaixão
Levam numa mão os bens
Na outra todo o alimento

Agora como ontem, por trás de tudo,
No fim do que julgamos ser começo,
A linha estreita, minga, ainda mudo
O mundo e mais a mão que esfrego e aqueço.

Risos de desesperos inquietantes;
Pisos e pisos de exageros exuberantes;
Luxos em carnes velhas de viver,
E de não ter outro pensar que o poder.

Cada pedaço que levas á boca,
Com o garfo e com a faca de prata,
Mostra a insensatez mesquinhez oca;
Ontem como hoje o poder nos mata.

Foge por entre isso a que chamas mundo,
Intempérie ofuscada de fomes sedentas.
Por entre tudo o que chama-mos nosso e no fundo,
Tudo não passa do retorno às tormentas

Do passado
Que sem passo distanciado
Se aproximam pelo círculo
Ridículo circo
Que compomos
Nós e os sonhos
Realidade detestável realidade
Antes afogar do que como Camões
Morrer servindo algo que sem vontade
O deixou afogar em sonhos e caixões.



Um tiro na nossa sombra
Fere mais que um tiro em nós
Ilusão perene da palavra
Realidade efémera na voz

A sombra escapa infactível
Ilusória beldade encoberta
Vaga indistinta completamente visível
Nós a certeza tão incerta

Porque nós somos tão concretos.
Somos definidos pormenorizadamente.
A alma, o espírito, a mente.
E no fundo somos dejectos.
Sobras de outras sobras ainda.
Restos de luz e projectos.
Perecidos, a nossa sombra não finda.

Enquanto houver luz
A nossa sombra não finda
Paraíso que nos conduz
Para outra coisa mais linda:

...O mundo das sombras
Onde a luz não ofusca
Reflexo que não reflecte palavras
É ela é a nossa busca

quinta-feira, 29 de setembro de 2005

as almas suam
como as palmas
das mãos
as mentes recuam
onde outras actuam
uns sim's outros nãos
quem se importa
quando a porta
se bate
quem reporta
mão morta
ao ataque
flip flap
não . consigo . ter
um . único . raciocínio
para . abster
o . de...clíneo
curvilíneo
do ser
quando a mesa está posta
mas a barriga indisposta
e as cadeiras dispostas
fora da mesa
sentes que o coração pesa
pisado
sentes a cérebro que reza
resignado
apagado sem memória
a história passada
da tua vida passada
de cada tua passada
em solo firme
lembras-te de sorrir-me
em frente ao sol
em prol
da paixão que sentia
do coração que batia
da ilusão que reflectia
com brilho e lesava a visão
no trilho que inspirava a acção
romance
tudo é um romance
todos somos romancistas
dentro ou fora do alcance
das nossas vistas
somos gnomos
ou gigantes
ou apenas lobos
errantes
com fome por acaso
pêlo pelo ocaso
que raso de entendimento
nos aguça o sentimento
e nos adoça cada momento
do brilhante sol
que motiva a lua
de cada gota mole
que perfura e não sua
cura…
é a busca?
essa luz que ofusca
não acompanha a mudança brusca
para a escuridão dos nossos sentimentos
vamos viver por momentos
e dizer que sempre fomos mortos
os nossos corpos e os nossos copos
cheios
como a lua cheia
freios da ceia
mas não da vontade de cear
nada a recear
quando estamos na imaginação
começa a acelerar
a derrapar
não funciona o travão
um trovão
acompanha a chuva
ácida
e a cara flácida
perfurada pelo ferro
do carro
embatido contra qualquer-coisa-que-imagines
e voltas aos real com sublimes
arrepios
ileso, mas com suores frios
e lágrimas já morto choras
e o sangue pensa-se fora
de ti
e tu morres de imaginação
coras
“morri porque menti
ao meu coração…”

Parem de mexer na minha cabeça, de redefinir os contornos, de me culparem do eterno retorno, apenas o universo traz consigo a esperança.

Sinal recebo 3 2 1 jogar lembras-te de jogar quando ainda jogavas a essas coisas que contigo toda a gente jogava e passavam-se horas e horas dias e meses e no final de contas foram anos tantos anos em que o entretenimento eras tu e só tu e nem uma fotografia de ti tenho afinal nem existias nem sequer estavas dentro de mim eras qualquer coisa que aparecia no ar e se inalava pelo nariz tudo tudo tudo quis ser para nao voltar a sê-lo e assim nem valeu a pena excepto claro se a alma não é pequena sempre pensei ser grande gigante e parece que sou mas também sou um anão preso aqui na terra como todos e tudo sem excepção temos sonhos e queremos sonhar e metades deles já nem nos lembramos já nem fazem parte de nada nem da nossa história nem da maneira como as pessoas se vão lembrar de nós nós que fomos tudo e já nada somos para voltar a ser o tudo de outro mundo qualquer vamos e voltamos sempre e esta viagem constante nesta redundância enjoa-me e vomito tudo se contorce em mim tudo fica baço tudo tudo deixa de fazer qualquer espécie de sentido excepto o estar existindo neste segundo os braços adormecem e eu mordo-me no escuro em pânico sem saber que o sangue volta porque o coração não pára e quando parar também será porque já não faz falta nenhuma sei que estou aqui para algo mas para que estou eu aqui se sinto que nao que deveria estar sempre a caminho de outro local de outro eu sempre a mudar em evolução mas volto sempre ao mesmo ponto estou num círculo em que todos estamos e só eu o reconheço só eu sei que já estivemos aqui e que é para aqui que vamos voltar só eu sei as palavras que são ditas só eu sei os gestos que são feitos só eu sinto na minha espinha o arrepio de cada movimento tão belo e então entro em êxtase na volúpia do arquétipo da engrenagem da vida humana ou se calhar mais que isso somos como somos e a vida são frases todas juntas sem sentido para o mundo mas quando as olhamos melhor elas têm toda a verdade que existe no mundo nao quero mas tudo se passa assim não posso lutar contra algo que é mais forte que eu porque esse algo mais forte que eu sou eu e não posso lutar contra mim princípio do fim como eu detesto que seja não não fui eu que escolhi tudo já chegou aqui neste estado não tenho culpa de nada o que vai girando nem do que os ventos vão semeando na terra sou um mero espectador ora entre o dentro e o fora hora a hora segundo a segundo bate algo no fundo de tudo obrigado talvez não seja suficiente pois não passa de uma palavra mas não tenho nem nunca tive nada mais que palavras excepto talvez o gesto de te abraçar e o esboço de um sorriso e uma ou outra vez em que realmente ouvi o que disseste fosse em surdina ou em gritos imperceptíveis eu amo e odeio crio e destruo e não altero nada pois tudo tudo tudo volta ao mesmo.

Podes morrer segundo a segundo na minha imaginação
Ressurgir do passado que afinal é presente
Queimam-se as letras de um papel e no final apenas é cinza a intuição

Espaço e letra fragmento sem título na página que arde
Pensar pensamento pensante presente que desaparece
Não ordem não desordem também não nada simplesmente

Nem sem nem sem nem sem nem sem nem com vazio
Vazio algo é nada é algo nada é vazio e vazio é nada
Nem sem nem sem nada sem nem sem nem inexiste

Pensa e fala nem diz nem cala
Problema ou solução é não
Sou e ser nada sou ser nem inverso nem disperso

voar e entrar pelas entranhas da noite estranha por ruas de pensamento tamanhas que te perdes tao so nas manhas de qualquer vicio que apanhas

não sei
o que hei-de dizer
o que hei-de fazer
o que hei-de...
beber
para manter
de pé
a fé
em qualquer
coisa
ou em coisa nenhuma
a vida é leve como uma
pluma
em suma
todos nós somos
pedaços e traços
de gnomos
em tamanho real
ou irreal
somos sonhos
ou versos medonhos
do tempo que temos por vida
da vida que temos por tempo
da entrada e saida, a despedidada
do coração ao pensamento
entra e consome
a alma na fome
afoga
joga
vive
no declive
das normas
olhar de várias formas
e feitios
e copos pousados
e fios
de vestidos rasgados
e nomes esquecidos
e caras no esquecimento
aquecidos aquecidos
pelo passar do tempo
descalços e em visibilidade
ao lado da espontaneidade
quem há-de vir
quem está a rir?
quem quem quem
ninguém vem quando sem
palavras fico
100 100 100
neurónios num suplico
ah lagrimas
ah sentimento
vento que desanimas
o alento
que pensas que trazes
eu sei que nao fazes por mal
mas pensa nas minhas teses
tão correctas e concretas
só tento não pensar em tretas
quando a vida nos faz caretas
o melhor...
o melhor é dispôr da dor a favor do calor com que me a-f-e-c-t-a-s
infectas............
infectas............
esse olhar de lentidão
esse sabor de... algo em vão
mas se sabe bem então
vamos viver de rastos por esse chão
de luz de água de ar de fogo
amor é só amor o resto é jogo

terça-feira, 6 de setembro de 2005

Olhos

Gostava de apreciar
Sem ser apreciado
Espécie rara do olhar
Sem ser notado

Mas a onda puxa-nos ao fundo
A água engole-nos a voz
Como ter os olhos no mundo
Sem ter os olhos do mundo em nós?

Como ser sem se ser visto
Escapar á vulgar rotina
Sombra na sombra, e nisto
Luz na luz, imune á retina

Saltar entre as cores da realidade
Copiar o mundo, impune e seco
De qualquer olhar, em qualquer beco
Do segredo entre a mentira e a verdade

Como ter os olhos no mundo
Sem ter os olhos do mundo em nós?

domingo, 4 de setembro de 2005

Outro


Encontramos a Humanidade só num só. Presa em si, raramente expressando sentimentos em relação à natureza que a rodeia, expressando apenas pensamentos em relação à natureza que a compõe. Até mesmo quando se experimenta um sentimento de totalidade e paz interior, esse sentimento traz consigo, consequentemente, nostalgia e reflexão interpessoal.
Nós somos um ser social. Toda a gente o admite. A ideia de um homem completamente isolado torna-se ridícula quando nos apercebemos que é inexistente a capacidade de pensar sem nos basearmos numa vivência colectiva ou numa ideia de colectividade. Porque será que as pessoas reflectem sobre pessoas? Social ou psicologicamente estamos sempre a pensar para os outros, pelos outros ou com os outros. Até mesmo a busca interior da nossa verdade ou existência é indissolúvel dos outros. Quando pensamos na razão do nosso nascimento pensamos na razão porque dois seres anteriores ao nosso ser se uniram. Pensamos na razão porque estamos tão ligados uns com os outros, ao ponto da necessidade de união para que prossiga a criação.
Da mesma forma que a vida, a questão da morte prende-nos inevitavelmente ao outro. Quando se trata de pensar na morte o primeiro pensamento que nos ocorre é a forma e o momento. É um pensamento claramente egoísta. Mas rapidamente analisamos o caçador da nossa vida (o caçador da forma de morte), ou mesmo aqueles que contribuíram nas relações que nos levaram a esse momento e forma de morte. Depois, pensamos nas reacções tidas por aqueles que, em vida, interagiam connosco. Quem vai chorar por mim no momento do meu funeral? E daquele que chora, qual deles será mais real? Qual será o motivo do seu choro? Será real essa tristeza? Ou será apenas a percepção de que também ele acabará por morrer? E como continuará a vida na terra sem mim? Não pensamos nos rios e no sol e nas montanhas e nos ventos, que não irão interromper o seu processo cíclico por nós! Tal como os animais, mesmo com os da sua espécie, não param a sua função, o que por vezes connosco acaba por ser um factor de mudança. Nós somos os únicos aos quais a morte faz alterar a trajectória, e somos os únicos que não pensamos tão-só na morte, mas no nosso funeral.



Detesto-te por seres tu a que nos cria
Por seres tu quem sem culpa
[Detestável olhar-reflexo-alma fria]
Nos faz sentir culpados

És toda a espécie de veredictos
Assombras os sonhos com suores frios
Ou calores arrepiantes
[Pesadelo que de acordado, não despertas, adormeces aos gritos]

Fazes querer dormir
Não de sono mas de repulsa
[Repulsa de ti, insónia flatulenta]
Sono de morte de te apagar

Deixar-te a fluir por essa estrada
E esquivar-nos do caminho
Para outro sítio qualquer

Amarga, por vezes quando visão, doce
Mas na visão nunca és consumida
Ao mastigar-te és sempre amarga
[Mesmo ao mastigar-te com os ouvidos, ou com os olhos, ou com as mãos, ou com o nariz]

Não és vista, nem tocada
Nem sentida [nem falada]
[Rainha despida que nos possui com o olhar]
És simplesmente tempo a escaldar

Detesto todas as tuas esperanças
Que não são tuas, são nossas
Dissolvendo o seu sabor quando as lambes
[Onde guardas o nosso prazer?]

És uma língua comprida
Que nos desnuda
Desproteje com crueza molhada
[A nossa natureza muda]

Detesto ter de te ter
Pois ser sem ti é não ser
Mas ao ser dão-nos oportunidade de ver

Detesto-te por me roubares do meu mundo
Detesto-te por inundares o meu mundo
[Imundo de ti, tu, princípio e fim]
Detesto-te por quereres ser por mim
Ver por mim
Por quase mandares em mim
[Despertar vespetino num sono de desejo]
Por seres tudo, menos o que eu vejo,
quero ver e sonho, [sonho mas afinal]
sobre uma espéscie de quase tu, mas melhor por ser eu total.

DETESTO-TE REALIDADE!

segunda-feira, 8 de agosto de 2005

Repristinação


Estou farto do mesmo caminho para casa…
De quando a paz de consciência se atrasa…
E a tua ausência chega mais cedo…
Fico na ânsia, em consonância com o medo…

O que escrever no momento certo, exacto, perfeito
o que há-de ser o sentimento que aperto, retrato satisfeito
de nós dois num fragmento lato da realidade,
mas se o nosso fundamento é manter-nos perto da verdade
e o nosso tratamento é o trato de sinceridade
vem comigo ao pensamento coberto de objectividade

Não me quero
deixar invadir pela fantasia e evadir da realidade
Não te quero
deixar partir um dia excepto ao erigir da eternidade

(picture da minha autoria. obturação nr30" F2.8)

Imobilidade


As mãos estavam dispostas, com os dedos estendidos, na mesa. O sol rebatia nas vidraças dos automóveis, e a esplanada não parava de aquecer. Nada se mexia, a não ser talvez, os olhos (que nunca param de mexer) e as explosões de átomos que ocorrem no meu sistema nervoso. De repente a perna direita, bruscamente, estica-se fazendo embater o pé na mesa, entorna o café esquecido, e automaticamente alguns olhares envolvem de susto a imagem.
- Foda-se!
O corpo levanta-se, a casa de banho espera, e a água corre limpando as manchas de café. O pé contorce-se de dor, enquanto a mesa intacta ri. E os olhos continuam ofuscados pela luz que rebate nas vidraças dos automóveis, a esplanada aquece e aquece. Os olhares desviam-se, e tudo volta ao normal, á imobilidade, mas os olhos nunca param de mexer, vagueando no vazio, insensíveis ás explosões de átomos que ocorrem, ás células que correm, até que de repente qualquer outra reacção que fuja ao trâmites de imobilidade os faça existir, para envolver com espanto e susto.
O que a boca fala não diz nada. A boca mexe-se, a língua sobe e desce, mas tudo continua na sua imobilidade. O sistema nervoso transmite dor provocada no pé, uma humidade quente inunda a perna, um odor a café instala-se, a mente reage, e a boca move-se, a voz solta inconsciente.
- Foda-se!
O corpo levanta-se, as mãos disfarçam com água as manchas de café. O pé dói, mas é apenas uma leve consciência de dor, os olhos são sombreados por óculos escuros, aos olhares devolvem-se ao ritmo passivo, os ouvidos recebem o ruído instantâneo de uma mesa pontapeada, seguido de uma palavra.
- Foda-se!
Os ouvidos captam, a mente reage, a mente explode em átomos de considerações. A mente fala, a boca simplesmente passeia a língua entre os dentes, “tenha cuidado com a língua”. A boca fala e não diz nada. A língua lambe e de pouco se apercebe. A mente diz, diz, diz, e nunca fala. E no fim, tudo é uma perfeita imobilidade, interrompida por pequenas pausas, de quase movimento.


Não sei versar
Nem sei pensar logicamente
Por isso versifico o pensar
Sustento-me do inconsciente

Abro livros de pó
Vasculho entre o coração
Descubro que sou completamente só
No espaço que decorre da razão

Tudo o que tu me dizes
Inunda de impossível o teu olhar
Os passados momentos felizes
São suficientemente tristes para chorar

Abre bem esses teus olhos
Fixa algum ponto imaginário
Não te entregues aos sonhos
Sonha dentro do teu itinerário

Mas se por acaso o teu caminho
Não coincidir com o meu
Partimos os dois, cada um sozinho
No entanto, debaixo do mesmo céu…

Acabou-se o que era doce


Iludiu e desiludiu, veio, viu e venceu
E outro perdeu, que antes havia vencido
Apaixonou e desiludiu,
Outro que outro havia querido

E volta a vir, é o retorno
Já é um mito o devir
O que era fresco, agora é morno
O coração nunca arrefece o suficiente para gelar
Nem aquece para que algum dia venha a arder

(picture by me)

Enquanto a vida nos brinda
E o amor nos consome
Quando os olhos se fecham
No momento da fome
E as tuas unhas me vexam
Qualquer carícia é bem vinda

Enquanto os músculos se cansam
E o silêncio ensurdece
Quando até o vento é um peso
E nem o sol nos aquece
Mas o pensamento fica aceso
E os nossos sentidos não pensam

Quem te predestinou
A seres o meu suspiro
Quem te falou de mim
Quem te feriu com o tiro
Que te chamou logo no fim
De tudo o que eu sou

No momento de sermos nós
E em que a lua nos chama
Qualquer olhar queima a pele
Enquanto é o coração que ama
E o pensamento nos repele
Quando já nada vem à voz

quinta-feira, 30 de junho de 2005

Óculos de Sol

Não gosto de relatar os factos que me acontecem, estilo um diário. Talvez por medo de me encontrar a mim próprio, não gosto de ser um narrador autodiegético, nem sequer gosto de ser um narrador, pois isso implica que eu fantasie, ou acabe por descrever parte da minha realidade, ou da realidade que capto, ou da forma como eu gostaria que ela fosse. Não gosto de ter contacto directo com o que analiso – isso repugna-me. Não vou fazer parte do que crio, ou da maneira como penso as coisas. Talvez achem que isto é cobardia, medo de seguir os meus instintos. Talvez. Mas isto é opção minha e só a mim diz respeito.
No entanto, desta vez, vou descrever a pura e integral realidade, e depois (e só depois) analisá-la.

Estou no Porto, no apartamento onde vou viver este ano, e muito provavelmente, tantos outros. Saí de casa para tomar um café, mas reparei antes que tinha deixado os óculos no carro. O que podia eu fazer se a minha mãe o levou? Como tinha de tomar café, pois um insustentável sono se apoderou do meu ser, fui até ao “Poeta”, sem qualquer instrumento que me protegesse da realidade. Náusea. Não tem outra espécie de nome. Uma náusea social em relação à realidade que me envolvia e me penetrava nos olhos desprotegidos. Enquanto o fumo fazia um esforço inútil para me distanciar, mais a realidade me atormentava. Sempre escrevi com poucas vírgulas e já o meu pensamento não as utiliza… Não havia espaço para eu pensar. Não havia virgulas, intervalos ou pausas. Todo o meu pensamento seguia e seguia. E eu ali completamente desprotegido, sem nenhum escudo, nem o meu pensamento que corria em auto-estrada, nas variantes de tonalidades vocais, olhares e conversas. Nada se me apegava, ao mesmo tempo que nada me preenchia a mente.
Saí.
Estava cada vez mais perto da razão porque, por exemplo, Fernando Pessoa criou os seus heterónimos. Não foi quando se encontrava sozinho em casa, ou quando o seu pensamento estava preenchido pela realidade que o rodeava. Não. Foi num momento em que nada se apegava ao seu pensamento, e no entanto nada o preenchia. Um vazio, um pensamento cheio de vazio na náusea social, num desencontrar entre si e o outro, criou alguém que não sendo ele nem outro que o rodeava, havia de ali estar para suportar toda aquela realidade na qual ele não estava dentro nem fora. De fora, ele manuseava os seus heterónimos como um fantoche que numa mesa de café, tem a mente suficientemente sólida para conseguir reagir ao ambiente social. Ele não criou nenhum heterónimo, eles simplesmente apareciam onde não estavam e deviam estar, e Pessoa imaginava o que eles pensavam, mesmo não existindo. E já que eles não existiam, cabiam dentro dele.
Tudo começou então num decorrer de pensamento «auto-estrada» sem vírgulas, suficientemente longo que para a realidade ser suportável, era necessário criar alguém mais, para suportar o peso dessa realidade tão gritante.
Se Fernando Pessoa usasse óculos de sol, ele seria apenas Fernando Pessoa.

quinta-feira, 2 de junho de 2005

Os Seios

Os Seios não são um lugar,
Nem tampouco um subterfúgio
Das horas enferrujadas pelo mar
Dos que vivem sem refúgio.

Carregam na cabeça o peso de sentir,
Os olhos em ameaça, os lábios a sorrir.
Vêem no vazio um peso diferente
E são livres de esvaziar a mente.

Olham horizontes sem ver,
Encontram-se em qualquer gesto,
Filhos sem dó nem rosto,
Por quem os deixou a morrer.

Abrem sempre conversa
Com som e silêncio à mistura,
Orquestram palavras de amargura,
No desespero da alma perversa.

Os Seios do amor e do ódio,
Frágil descompostura que o repúdio,
Ora chama, ora incendeia,
Junta os Deuses no seu concílio,
Aprisiona o resto na teia.

Escrivãs de escritas vãs do que é Fado,
Almas sãs, corpos imundos de pecado.
Armada atenta ao afrontar áspero
Da fronteira entre a mão e o outro lado.
E quem seria Homero?

Os Seios entre o ir e o voltar,
Entrincheirados na razão e na mão
Dos corpos enferrujados pelo mar,
Dos que vivem pelo coração.

Contam horas e minutos,
Segundos e batimentos do amar,
O que é coração para muitos
Para outros são corpos a balançar.
E o que irão alcançar?
E o que irão encontrar?
As nossas mãos e o nosso gesto?
A nossa mente e o nosso resto?
O nosso corpo e o nosso rosto?
Serão forças estas linhas,
Que escrevo como quem caminha
Fora da sombra da razão,
Fora da hora habitual,
Este corpo que mora no chão,
Tem asas para outro local?

Mas não são lugar Os Seios,
Não são se não o que são:
Segundos de embriagado receio
Que nos prende a alma ao chão
E nos ferra no corpo o seu freio.

Foge a alma e leva o corpo,
Para onde tu fores eu vou,
Estar perdido é estar morto,
Que é um não estar do que sou.

Os dois pólos que não se atraem
Como dois amantes que se traem,
Mas os mesmos pólos se aproximam
No ciúme dos amantes que sibilam.
Ó meu deus que paradoxo,
Onde deixamos nós a harmonia
Que destes à pomba ou ao mocho,
Porque vacilamos entre a melancolia,
E a alegria? Porque nos despojaste assim
Na floresta sórdida do principio e do fim.

quarta-feira, 18 de maio de 2005

Bate asas o coração


Bate asas o coração
Do pássaro no gelo.
Ele, sem ter a noção,
Quer seguir a sê-lo.

Pausado o pássaro pia,
Um pio de piedade.
Menino, em sabedoria,
Ouve no pio a verdade.

Mas para mentes em uso,
De tanto uso e saudade,
O pio não fala, recuso
De ouvir a outra metade.

O menino pára, comove
Do pássaro que pia no gelo.
A mente em uso, não ouve,
E segue, só assim sabe sê-lo.

(photo: google search)

A Galope


A galope, a galope, a galope
Pelas horas que morrem nos passos do tempo
Pelos traços de vida que correm por fios de água
Pelas fileiras de animais e insectos que tacteiam muros
Pelos odiosos e cruéis grunhidos da natureza
que incendeiam a voluptuosidade da consciência
Pelos indistintos e mecânicos compassos musicais da certeza
que gelam com insensatez e descrédito a essência
Fraco o vento e mais o sol que fumega
Voga de velos que aflita isenta incentiva
Foge a mais, mais um, e só mais um
Que discreta e lenta enfrenta a lida

(gravura inspirada nos livros de J.R. Tolkien)

terça-feira, 10 de maio de 2005

Mão Inquieta


A mão inquieta pede faminta, a forma intacta da matéria
A mão inquieta foge e escreve, por mim minha miséria
Formula encantos sustos, prantos, patética em força e espírito
Desgasta à soma, ao tempo, ao nada, à forma, à vida onírica

Alcanço em vista, mas que vista?
Se é cega aquela que a detém,
O poder a forma e despista,
Todo o sentido que isso tem.

Chama-se a honra, valentia, a descoberta,
Pensando sempre a sorte, a vasta
Possibilidade, a porta aberta
Vendendo a infortunada, toda, nefasta.

Agarro o tempo com a mão que escrevo,
Minha mão inquieta da matéria,
Agarro a escrita largo o trevo,
Agarro o tempo, caio em miséria.

(Foto: © "Drawing Hands" - M.C. Escher)

terça-feira, 3 de maio de 2005


Não posso escrever nas pedras
Embora nelas se tenha escrito
Tantas horas, flácidas quebras
Do tempo que afoga o rito

Não posso beber de fontes
Agoura-me o seu veneno
Procuro no escuro horizontes
Para matar a sede sem dano

Não posso ver-me no rio
Senão reflexos de imundice
Áspero e perfeito desvio
Do que a alma ao corpo disse

Pára! Hora vaga e nada
Naufraga e bóia a massa
Escorre na linha enfadada
Tormento rude que passa

quarta-feira, 27 de abril de 2005

Heróis destemidos



Escrevo possesso e mudo
De qualquer som ou silêncio
Busco cego e surdo
Ofusco em luzes do absurdo
Rasgo barreiras infames
Procuro infiéis nas trames
Erguidas sobre o armistício

Suo cada gota de suor
Por aquilo que me resta
Nunca desprezei o amor
Sem nunca o decompor
Faço uso de cada lágrima
Para limpar toda a grima
Que fere enquanto se arrasta

Nunca inventei palavras
Nunca viajei por sentidos
Por quantos caminhos aras
Mais as forças são raras
Então eu imóvel e certo
Deixo o caminho aberto
Para os heróis destemidos

(Photo: Lion King, Disney. Act III, Movie stills from Simba's Return to the End, Simba Return's)

terça-feira, 26 de abril de 2005

Multilateral, Indizível



Estou cada vez mais para lá
Daquilo que estou á procura
Mas então se não é cura
Nem corpo nem mente doente
Então o que procurará
Cada poeta insistente?

Cada poeta é demente
Cada gota é loucura
A seta lançada em noite escura
Será o ditar de um fado?
Será o voar da mente?
É simplesmente outro lado.

Mas se tudo é bilateral
Então o poeta desassossega
Sobressalto do tacto de alma cega
Abre a dimensão invisível
Solta a tinta ao multilateral
E escreve o mundo indizível

( Foto: © Escher, Relativity )

A minha falta



Eu preciso de ti sempre ao pé de mim. Sentir o teu calor e o teu abraço, ou pelo menos algo que me tire deste cansaço, de pensar na tua voz, ouvi-la na minha cabeça, como um espírito que me possui. Tu não me fazes falta, tu és a minha falta, sem ti ando em círculos, à solta, à espera da tua volta, à procura da tua sombra, à espera de te ouvir dizer a palavra que faz com que eu esteja aqui para ti, a palavra que me faz rir e chorar, ir e voltar por ti, e só por ti, tu que és a minha razão e a minha mentira, que és a minha perdição e a minha lira que toco e que faço tocar só para fazer dançar a nossa chama. A nossa chama maior que qualquer chama do inferno, maior que qualquer desejo interno, maior que nós, maior que a voz de deus e que todos os seus crentes. A nossa chama que faz arder percepções aparentes, e deixa apenas as nossas almas juntas no seu calor, unas de tanto amor.
Eu amo-te, será que existe algo mais importante, algo que valha mais que o instante em que estou contigo, a tocar os teus lábios, a teus pés, no teu umbigo, a dizer-te ao ouvido aquilo que está a ser sentido… contigo não existe politica nem religião, não existe pecado nem condenação, contigo só vejo liberdade tu que és tão maior que este mundo tão pequeno, tu que de ti só perder temo...

Amo-te Joana.

(Foto: ©Roy Lichtenstein, Nude with Abstract Painting, 1994 )

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2005

E ser visto é ser


Até me vieram os olhos às lágrimas
E tive então, tristemente, uma visão
De um futuro ou passado, talvez imaginação.

Quando me vieram os olhos às lágrimas
O mundo todo foi só o que se via,
E, do que não se via
Depois disso, um precipício principia.

Com os olhos nas lágrimas vi:
A vida é do tamanho de um gesto
E nesse momento somos só um rosto.

Assim, de olhos nas lágrimas, senti
Que aquilo que fazemos aqui
É ver. E ver é viver.

E ser visto é ser.

(© Robert Doisneau, Le Baiser de l'Hôtel de VIlle, 1950)

Muss es sein? Es muss sein!


Não consigo parar de olhar o invisível. Desculpa.
Se quiseres olha comigo como Saint-Exupéry,
Lado a lado, fitando o mesmo horizonte.
E mesmo sem fitar mais que montanhas,
Surgirão delas novas visões que um só olhar não vê.
(Desculpa nada! Pediria desculpa se eu tivesse a intenção,
Agora a intenção não parte de mim, parte de nós).
Se te queres ir embora, porque é não te queres ir embora?
Podes ir, garanto-te que ficas aqui na mesma!
O problema não é tu ires embora, porque tu ficas,
O problema é tu ires embora, porque queres ir embora.

As nuvens passam quase como o tempo passa,
Porque o tempo destrói até as nuvens que passam.
Somos crianças que constroem castelos de areia,
Ao qual o mar de seguida os transforma de novo em areia,
E nos rouba a felicidade...
Podemos não construir castelos de areia frente ao mar,
Mas o que nós construímos é-nos deformado pelo tempo,
E nos rouba a felicidade...
Podia-mos pensar construir castelos indestrutíveis,
Mas as crianças não sabem moldar senão areia.
E nós não sabemos mais do que a vida nos ensina.

Tem que ser? Tem que ser!
E eu não vou cair noutro que não eu,
E eu não vou ser outro que não eu,
E eu só vou estar aqui porque tu és.
Disse-me um amigo que não namoro contigo,
Que eu vivo para ti.
E o que importa aqui não foi o que ele disse,
Porque o importante é que eu vivo para ti,
E se alguma vez te perguntares em que penso,
Agora já te podes responder, porque és tu...
Tem que ser? Tem que ser!

(Fotografia do filme "A Insustentável Leveza do Ser" livro de Milan Kundera)

terça-feira, 11 de janeiro de 2005

Vamos lá então existir para o Mundo!


A tua realidade, a que só os teus traumas pertencem, é uma imitação da realidade em que nasceste e que tu repudias.
Chamas-me á atenção, em nome do preconceito e só evocas valores que fazem parte, supostamente, do teu repúdio. Tu pensas assim porque te fizeram assim. Tu não sentes o que sentes, sentes o que te pedem, com todos os obséquios. As regras que a sociedade Ocidental te impõe, são as regras que te regem, reprimindo o altruísmo e o sentimento Humano. O amor existe e é por ele que eu me rejo. A sociedade vê mal? E lá sais tu da toca de cabeça baixa, a levantar o peito.
Por amor de Deus!
Se há coisa que eu detesto é o preconceito, se há coisa que eu adoro é o a bem estar emocional e psicológico. Dá as mãos a quem está ao teu lado, o resto são histórias! De encantar. Sou uma criança, preciso de brincar e amar, para aprender a ser unificado, entre a inteligência e a experiência. O resto? O resto são manias que se estão afectadas pelo comportamento, têm de ser forçadas para que nenhuma lógica nos prenda.
E vamos nós voltar ao fingimento, ao mundo das palavras ocas, simplesmente para que os nossos sentimentos sejam oficialmente aceites! Binómio realidade/verdade! Cooperação fingimento/existência. Supremacia do que as bocas vêm ao que os olhos dizem… Cegos… e ocos. Não dizem se não “libertem-me” e não vêm senão obrigações e comportamentos. Deixem-me ser como sou! Deixem-me ver o que vejo e dizer o que sinto! Amo-vos a todos! Humanos da retórica e da dialéctica, da estrutura labiríntica, dos dados da sorte que fazem da vida um jogo! Deixai-me jogar também! Deixais?

Eu só queria existir para o Mundo!

Eu só queria existir para o Mundo!
Ser a verdade e a ética,
Mas a vida é um segundo,
De irregularidade estética.

Comer o que o tempo nos dá,
Sendo comidos sem o pudor
Da vida ser um enorme sofá,
E o tempo um sofá menor.

Abraçar a inexistência,
Como se que existisse.
Observar a consciência,
Como se o tempo mentisse.

Deixar cair um corpo,
Deixar mentir o tempo,
Como se parte um copo.
Como se mente ao vento.

Deixa cair cá fora tudo o que é fundo!
Só se a verdade for possuída pela ética,
Por um segundo, na irregularidade estética,
Vamos lá então existir para o Mundo!
(Fotografia: Filme "The Butterfly Effect", 2004, Eric Bress)

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