sexta-feira, 4 de novembro de 2005

A minha alma sofreu um apagão. Está escura. Vazia. Apenas a minha recordação leve, um estado de consciência mais onírico que real. Um não conseguir voltar atrás por um não querer instintivo. Algo mais que substância, matéria ou facto. Sinto mudanças interiores, e já nem me vejo o mesmo no espelho. E quando fecho os olhos, estou num quarto de espelhos, onde cada reflexo é díspar do seguinte, e nenhum deles sou eu. Entrei no futuro e deixei o passado atrás a porta. Sei que ele lá está, e só nessa medida ele existe para mim. Não tenho agarrados a mim os fios esfarrapados do passado, como sempre foi o nosso caminhar.



Quero água a escorrer-me pelo corpo. Quero a purificação. Quero a catarse, pelas lágrimas caudais. Arrancar de mim a abundância de adjectivos. Quero o método simples e prático de objectivos. O pensamento claro, o corpo firme. Os olhos assim mais penetrantes, nem vagos nem cerrados. Sem nada para obstruir a fluidez e a harmonia própria de um ser uno e não vário. Quero ser grato pela ajuda, divina ou altruísta, sem ter de gritar pelo socorro. Sem ter que dar a mão, apenas enlaça-la. E ser livre de desenlaça-la e colher a flor, e subir á árvore, e acariciar a vida. Acordar o mesmo sem me cansar, por ser diferente. Diferentemente o mesmo exacto existente. Sentir o meu ser vivo e, sem esforço, sentir-me total. Sentir-me leve para voar, e pesado o suficiente para assentar na terra. Ou na rocha. Ou no cimo de um castelo. Ou perto de ti, e depois poder ir outra vez brincar com o mundo.
Na minha alma apagou-se a luz, e sei que a mesma luz não volta mais. Virá outra, mais forte, mais intensa, mais presente, mais abrangente, espalhando-se num suspiro e recolhendo-se a cada canto. O tempo quer brincar comigo, e eu até olho para ele como quem olha para o mar, que vai e vem em cada onda que rebenta. E como uma folha que viaja ao sabor do vento. E como um fim de tarde de um Outono laranja, que espelha em nós o ouro da existência. Abro os olhos, e cá estou eu a existir para o mundo.

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