segunda-feira, 8 de agosto de 2005

Imobilidade


As mãos estavam dispostas, com os dedos estendidos, na mesa. O sol rebatia nas vidraças dos automóveis, e a esplanada não parava de aquecer. Nada se mexia, a não ser talvez, os olhos (que nunca param de mexer) e as explosões de átomos que ocorrem no meu sistema nervoso. De repente a perna direita, bruscamente, estica-se fazendo embater o pé na mesa, entorna o café esquecido, e automaticamente alguns olhares envolvem de susto a imagem.
- Foda-se!
O corpo levanta-se, a casa de banho espera, e a água corre limpando as manchas de café. O pé contorce-se de dor, enquanto a mesa intacta ri. E os olhos continuam ofuscados pela luz que rebate nas vidraças dos automóveis, a esplanada aquece e aquece. Os olhares desviam-se, e tudo volta ao normal, á imobilidade, mas os olhos nunca param de mexer, vagueando no vazio, insensíveis ás explosões de átomos que ocorrem, ás células que correm, até que de repente qualquer outra reacção que fuja ao trâmites de imobilidade os faça existir, para envolver com espanto e susto.
O que a boca fala não diz nada. A boca mexe-se, a língua sobe e desce, mas tudo continua na sua imobilidade. O sistema nervoso transmite dor provocada no pé, uma humidade quente inunda a perna, um odor a café instala-se, a mente reage, e a boca move-se, a voz solta inconsciente.
- Foda-se!
O corpo levanta-se, as mãos disfarçam com água as manchas de café. O pé dói, mas é apenas uma leve consciência de dor, os olhos são sombreados por óculos escuros, aos olhares devolvem-se ao ritmo passivo, os ouvidos recebem o ruído instantâneo de uma mesa pontapeada, seguido de uma palavra.
- Foda-se!
Os ouvidos captam, a mente reage, a mente explode em átomos de considerações. A mente fala, a boca simplesmente passeia a língua entre os dentes, “tenha cuidado com a língua”. A boca fala e não diz nada. A língua lambe e de pouco se apercebe. A mente diz, diz, diz, e nunca fala. E no fim, tudo é uma perfeita imobilidade, interrompida por pequenas pausas, de quase movimento.

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