Imobilidade
As mãos estavam dispostas, com os dedos estendidos, na mesa. O sol rebatia nas vidraças dos automóveis, e a esplanada não parava de aquecer. Nada se mexia, a não ser talvez, os olhos (que nunca param de mexer) e as explosões de átomos que ocorrem no meu sistema nervoso. De repente a perna direita, bruscamente, estica-se fazendo embater o pé na mesa, entorna o café esquecido, e automaticamente alguns olhares envolvem de susto a imagem.
- Foda-se!
O corpo levanta-se, a casa de banho espera, e a água corre limpando as manchas de café. O pé contorce-se de dor, enquanto a mesa intacta ri.

O que a boca fala não diz nada. A boca mexe-se, a língua sobe e desce, mas tudo continua na sua imobilidade. O sistema nervoso transmite dor provocada no pé, uma humidade quente inunda a perna, um odor a café instala-se, a mente reage, e a boca move-se, a voz solta inconsciente.
- Foda-se!
O corpo levanta-se, as mãos disfarçam com água as manchas de café. O pé dói, mas é apenas uma leve consciência de dor, os olhos são sombreados por óculos escuros, aos olhares devolvem-se ao ritmo passivo, os ouvidos recebem o ruído instantâneo de uma mesa pontapeada, seguido de uma palavra.
- Foda-se!
Os ouvidos captam, a mente reage, a mente explode em átomos de considerações. A mente fala, a boca simplesmente passeia a língua entre os dentes, “tenha cuidado com a língua”. A boca fala e não diz nada. A língua lambe e de pouco se apercebe. A mente diz, diz, diz, e nunca fala. E no fim, tudo é uma perfeita imobilidade, interrompida por pequenas pausas, de quase movimento.
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