domingo, 11 de novembro de 2007

A rua

Foi à entrada da tua porta
Da tua casa perto dos carros
Numa rua cheia de cores apagadas
Pela noite que deixa as lâmpadas dourar
Com uma luz que mal vê e tudo torna
Mais quente e reservado
E abre à imaginação uma outra dança
Que não se guia pelo amor a nenhuma melodia
Que eu me despi daquilo que eu procuro
Deixei para trás como quem esquece
Uma chave no cinzeiro e fecha a porta
E sabe que as janelas de hoje em dia
São altas de mais para quem é obrigado
A viver rente ao chão
Há gatos por todo lado mas pouco miam
Mas a tua mão sim me agarrou
E me disse tantas coisas que eu não sei
O que fiquei a pensar do tempo

Acho que a tua cara se virou
De uma forma nova e que deixou
Uma luz nunca antes vista iluminar
A tua alma.

Alma que deu rosto a esse olhar
Que me viu já tantas vezes nesta rua
Mas só agora eu soube entrar
Porque decifrei a senha secreta
Nunca guardada, não era dita aos meus ouvidos
Ela não se ouve com os ouvidos
Nem se vê com quaisquer olhos
E podemos tê-la feito sem sabermos
Quando dormimos entre os lençois
Ou quando olhamos pela janela
Para a rua a ver as pessoas a passar
No dia, brilhante, cheio de luz
Que faz qualquer pessoa imaginar conversas
E encontros perfeitos
Tão diferentes da realidade
Mas só possíveis de imaginar na realidade
E que só o nosso sentido torna impossíveis

Não se procuram os sentidos
Acham-se quando menos se espera
Nos suspiros que não esperamos que viessem
E que deixamos sair como quem fala
Esperando resposta do olhar que está tão perto

Ou de um beijo

Eu sei que se sentisse os teus lábios
Ia pensar menos e se calhar não pensar nada
Mas depois ia querer voltar
E talvez as ruas se desfizessem
Para eu me perder e ficar sozinho
Porque as pessoas nunca param
Raramente as pessoas param numa rua
Onde só moram pessoas
E onde não há montras nem cafés nem floristas
E esta rua onde as pessoas moram
Só moram, nunca vivem, dormem
Não me deixa sonhar mais do que imagino
E eu queria reinventar-te toda
Como quem pega em ti ao colo
E faz-te festas como se fosse possível adormecer
Antes de a noite chegar

Não há dias assim nas nossas vidas
Que não se comparem pelo menos a mil outros
Mas faz silencio, não faças nem um gesto, ouve
Tudo parece repertir-se
Olha em volta.
Não olhes para mim, olha em volta,
Tudo parece repetir-se mas há um odor
Que está perdido a cada passo que se dá
E não há uma pessoa igual a si mesma
Como sabemos que os passáros não cantam de noite
A não ser que sejam corvos que também são pássaros
Mas ninguém gosta de ouvir essa canção

Se te levantasses de vez em quando
Eu não corria o risco de ficar a contemplar-te
E dizer coisas que nem sequer chego a pensar
Saem tão velozmente da minha mente
Que não chegam a ser controladas pelo raciocíneo
De dizer uma coisa de cada vez e lentamente
Saem simplesmente e não se escondem
Como quem passa a correr rente a um muro
E não se dixa cumprimentar

Não sei se já comparaste esta vista
Com aquela que tens do horizonte
Nem sei se adormeces a pensar o infinito
E a contar o que anseias à almofada
Mas eu sei que tudo o que eu te disse
Fez com que me tenhas marcado nesse quadro
Que é o quadro que toda a gente tem numa parede
Onde estão as pessoas que ouvimos
E a quem julgamos ouvir quando sozinhos
Bebemos algo quente duma chávena.

Às vezes chove e a tristeza
Ainda é maior que esta que espreita
A cada esquina desta rua.
Esta rua, esta rua, está despida
E a cada palavra está mais nua
Mas há uma porta
E dentro dessa porta há mais portas
E uma delas é a tua, numa dela estás tu
Aí, estendida sobre os lençois
Que têm o meu cheiro e tu aproveitas
Para ti, mas ele vai desaparecer
E a lua vai também desaparecer
E nada dura sempre como devia
Nada está por aqui eternamente
E é graças a isso que existimos
Senão tudo era o seu silêncio inicial
E não havia olhos porque os olhos
Só nascem depois de morrer o nosso toque
E as mãos ganharem calos que não queremos

Isto que é a vida não foi nunca
A desculpa para nada que fazemos
Somos por nós maiores que o pouco
Que na realidade somos e só quando
Algo inesperado e sombrio acontece
Sentimos como insólita a verdade
Dos acontecimentos necessários e naturais
Que nunca a natureza descreveu
Mas que nos chocam e ofendem por demais
Nós que temos sensibilidade
E achamos que um abraço é maior
Que uma casa que termina no 4º andar

Abre a porta que eu não imagino
A tua face destronada da sua coroa
Eu quero toda a magia por acontecer
Não quero prometer-me mais que a vida
Não quero pedir-te para ficares parada
E não quero ir embora, que ainda é cedo
Abre a porta que eu não deixo o frio entrar
Enquanto eu passo e te peço para ficar
No teu sofá onde me enrrosco e onde procuro
Aquecer algo mais que os ossos e os sonhos
Algo novo que nunca antes foi comprado
Pelas pessoas que tudo conseguiram comprar.

Não foste tu que me pediste a minha boca
Nem mesmo eu sei descrever a minha força
Para transformar o universo num espaço
Onde já foram contados todos os segundos
Mas eu queria o teu braço à volta do meu pescoço
Eu tive esse sonho visionado
E nunca mais adormeci.

O chão sabe girar mais que este mundo
E as ruas não são rios, são só ruas
Onde às vezes corre a vida e as palavras
São sempre apreciadas como uma aragem
Que vem do fim da rua a perseguirnos
E a dizer-nos “Olá! Espera por mim
Eu vou contigo” e vem connosco ao longo
De todo este caminho.

Ainda está longe o fim
O dia em que se possa dizer que acabou
E que o sol não brilha nunca mais
E que as pessoas já não se enrroscam nos umbrais
Dizendo coisas belas ao pescoço
E afagando os cabelos lentamente
Como se procurassem o amor numa caixa
Quando estão só a tocar o laço de um presente
E não há volta a dar para trás
Tudo foi no seu perfeito seguimento
A existência de toda a realidade.

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