segunda-feira, 19 de novembro de 2007

A Rua IV

Mas a multiplicidade das ruas
Não me deixou ver além
Das paredes que se encolhem a cada esquina
Foi tão simples quanto isso este olhar
Desabrochado à água pura e límpida
Que embatia em cada carro que veloz
Passa sem deixar opinião

«Tu estás certa e eu estou errado
Vou sentir a tua falta agora que foste
Embora
» foi assim que ele deixou
Marcada nesta música atroz
A beleza do passado que transtorna
O presente delicado e não existe
Força maior que a nossa vontade
De existir nesse passado que presente
Seria o nosso quadro mais dourado
Memórias para que vos quero
Vida para que te vivo
Se espero só encontrar o que já foi
A cada passo que dou em ti
E sei perdida de mim a repetição
E cheiro nos meus dedos a certeza
De que nada se repete e tudo é
Único e verdadeiro quando acontece
E não há força neste universo
Capaz de mudar isso de nós

É pena
Porque é ilógico
Constrangedoramente ilógico
Nunca conseguimos conceber o fim
Tudo para nós anda à roda
De nós
E todo o fim é a atroz
Voz da irrespirável ausência
De nós
Perfeita consciência
De que o mundo se abstrai
E nós somos sozinhos o universo
Em que nunca caminhamos

Mas não te importes com isso
Há de novo no ar uma outra soma
Que se soma à tua expectativa
De existir e de ter forma
De fugir por entre a intempérie
O mundo que se aporta à nossa rua
O mundo que se quis por entre o espaço
Vazio e que erigiu aqui um novo tempo
Que se conta desde o zero como todos
Os tempos que marcam espaços novos
Ela estava em pé e chovia
Havia coisas que não se entendia
Mas agora que revistas são perfeitas
Doses de arte embelezadas na memória
E na forma como gravamos o que acontece
Os nossos olhos nunca vêem nada
Mas são janelas importantes para nós
Sendo mais o interior que o exterior
Agora percebo, o mundo lá fora não é
O mundo só existe quando existimos
E árvores caem desgarradas na floresta
E não fazem nem um som

São árvores que não são árvores
Até serem amadas por alguém
E alguém adormecer com a sua imagem
Tornando-as aí o signo que descreve
Árvore na sua linguagem
Nós somos herméticos
Fechados nas gabardines porque a chuva molha
Porque ouvimos uma vez que ela molhava
E nunca mais corremos pelas ruas
A ouvir realmente o seu som e a saber que molha
Não com o pensamento
Mas connosco propriamente no momento
Em que ela cai no nosso rosto e nos descreve
O nosso ser vivo e total
Como ouço sussurrar daquela estante
Onde a Sophia soube pôr em cada verso
Cada gota d’água do seu universo

Então agarra a minha mão neste momento
Não há nada para além do que sentimos
E a vida encaixa-se perfeita neste vasto
Labirinto de ruas habitadas em casas e caixotes
E tudo funciona na perfeição que funciona
Não interessa o que pensamos sobre as coisas
As coisas são como esta chuva que nos molha
E as nuvens são deuses dessa chuva
Que cai e sabe porquê
E não interessam esses ventos que nos chamam
Perguntando a direcção que tomamos:
Frente ao desconhecido caminhamos
À procura da razão que nunca amamos

A rua e esta chuva são presentes
Que não devemos rejeitar dizendo não
Mas sim sem um som deixar acontecer
A viagem mais longa de que há memória
Quando toda a gente esperava que ficássemos
Todos fechados em casa

Seja o primeiro a comentar

prática sonho teoria © 2008 Template by Dicas Blogger.

TOPO