terça-feira, 20 de novembro de 2007

A Rua V

Há um vazio que se alastra
Um nada que mais nada se torna
No passar de cada segundo
Tão doce esta imagem de ti
Esta boca parada a olhar para o nada
Que se alastra
O pensamento quieto
De um corpo inquieto
E as recordações a fervilhar
Como quem tenta ouvir atentamente
O que se diz na mesa ao lado
Mas aqui não há mesa nenhuma ao lado
Nem uma mesa tenho à minha frente
Só existe esta cadeira onde eu sou
E me encontro meio erguido entre o ar
Que passa nos meus ouvidos e parece trazer
Memórias de discursos e batalhas
Que se alastram e que se alimentam
Daquilo que eu deixei para trás de mim
Sem me lembrar que nunca nada desaparece
E agora se transformou no que não esperava
Que se transformasse

Tu saíste daqui de repente sem notar
Que eu estava contigo e por ti
E deixas-te-me a boiar nesta aragem
Que corre agora para me levar
À outra margem
Onde tu estás eu sei que estás
Eu sei para onde foste mas não quero
Perseguir-te como ainda hoje a constelação
Do escorpião persegue Oríon.

Parei por entre a gente e fiquei
Surpreendido como nada ocorre
No mundo, tudo é estático
Ninguém mexe nem um dedo
E no entanto tudo parece modificar-se
A um ritmo que não explica bem porquê
Nem parece ter um compasso
Mas os deuses desta rua sabem
Trautear nas suas palavras
Que não têm som aos nossos ouvidos
Mas que as sentimos em vagas de tristeza
E alegria que oferecemos ao momento

Distancia-te do que vês
É ilusão
Nesta rua não ficaram os porquês
Nenhum carteiro os deixou
Aceita a tua existência
É o teu cartão de visita nesta instância
Que se sobrepõe a tudo quanto é
Ou existe para além do que pensamos
Ser a verdadeira identidade deste mundo
São questões já decoradas dos antigos
Que sentiram que não valia a pena
Encontrar além das cortinas a janela
Que no fundo sempre teve fechada para a rua
Onde por vezes um ou outro ousou espreitar
Como uma criança com o medo do sol
Mas fechou-a rapidamente porque a luz
Não deixou perceber muito bem o que iluminava
E nunca ninguém abriu a janela
Por isso o nosso reflexo sempre pareceu maior
Que o que estava para além do vidro

E aqui dentro nesta casa
Brincamos ainda
Crianças que apelidam as cores
Que tocam as formas
E aos cheiros reagem com expressões
Que nunca viram no seu rosto
Mas imaginam que são uma outra coisa
Um centro gravitacional à roda do qual
Tudo o resto existe e que sem eles
O caos se imporia
Como um homícidio de honra.

Nunca se confia numa janela
Ela só sabe cegar os nossos passos
Antes a porta utilizemos para espreitar
Com o próprio corpo
O que se passa no mundo
Ficar distante é arriscado
Tem cuidado
Quando voltares
A abrir uma cortina
E nunca sejas suicida ao ponto
De pensar em abrir a janela
Sai pela porta e desce
Não sejas cobarde
Vivendo o que não sentiste

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