domingo, 2 de dezembro de 2007

A Rua VI

Batem-se palmas entre a gente
Para a gente que vagueia pelas ruas
Abres a boca e nada mudas
Tudo em si mesmo inteiro permanece
Mas algo se altera na profundidade
Que escapa ao olhar inesperado de quem olha
E a tua mão escapa atrás do teu vestido
E bate na minha como um incidente despido
De importância para o mundo

Mas todo o mundo aí se criou
Aí inesperadamente houve uma voz
Que passou a falar comigo baixinho
Como quem passeia comigo
E vai apontando as coisas que lá não estão
E me fala de ti como se fosses
Algo mais importante que tudo aquilo
Que se pode ver em toda a vida

Deixei de me preocupar com os passos
Que damos entre os restos de expectativas
Nascidas em nós vítimas humanas
Das violações do imaginário
Um começo próprio de um começo
Como tantos começos da nossa vida
Passamos a vida a começar
Porque nunca vai existir um fim
Que valha mais que um bom começo

Mistério chave dos universos
Chave das estrelas e dos mitos
Dos passos e dos cantos
Das vozes e da palavra-acção
Que rouba e dá e foge
Que existe sem mais nada em si só
E é ouvida em qualquer sombra
Ou vazio do tempo e do espaço
O mistério é a chave do corpo
Da mente e do espírito
Do destino e do amor
E do sexo e da esperança
Da vontade e de cada passo de cada dança
Mistério do começo e do fim
Do nevoeiro e da espera vazia
Da tentação e da alegria
Mistério do número e do andar
Do som da campainha
E de todas as formas pra lá da porta
E de todas as vestes que se encobrem
De luz e de falta dela

Maravilha que compõe o mundo
O tentar aceder à lógica aleatória
Da fonte da vida e do existir
Deslumbramento dos sentidos
Veículos irrepetíveis e únicos
“Perder um medo
Não é nunca ter tido esse medo”
E dançamos e procuramos
O fim perfeito o fim
Só aquele em que acabamos de cair
E não esperávamos
Temos tantos fins
Assistimos a tantos começos
E só este decisivo final
Este misterioso final
Que não compreendemos
E o que conhecemos
Vem depois de tudo

Aplauso impresso no mistério
Que compõe todo o processo
Do mundo

Vitória e perda
Da memória destacada pela borda
Da vida

Vastidão imperecível
Recomeço e correcção
Fim inesperado e detestável
Ilusão imperiosa ilusão
Do ser

Coercível perecer
Palavra do fim
Adormecer

Cair do pano
Negrura silenciosa
E dura

Amanhecer pleno
Aurora esplendorosa
E pura

São declamados pelos teus lábios
Nestes sonho irreais e nunca tidos
Engane-se quem pensa que os sábios
Se fazem entender quando são lidos
E as palavras nunca servem a verdade
Nem nunca condizem com os olhos
São vazios de acção e de sonhos
São o fim que não encontra finalidade

Por isso poetiso
Porque há um vazio impreenchível
Porque há uma acção exequível
Que procura a sua forma entre os gestos
E as palavras não são actos, são gostos
São pactos de oposto a oposto
Deixam entre si um grande fosso
De fim e de começo e no teu rosto
São silêncios de perda e de destroço.

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